quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Eliane Cantanhêde - Cinzas


  • Dilma diante de derrotas no Congresso e às voltas com ministro da Justiça

- O Estado de S. Paulo

O Carnaval acabou e a presidente Dilma Rousseff sai do belo mar da Bahia para mergulhar em dois desafios urgentes que viraram prioridade na lista de problemas gigantescos que ela tem pela frente.

Um é a derrota na flexibilização das regras trabalhistas e previdenciárias no Congresso. Outro é o encontro apimentado entre o ministro da Justiça e o advogado de uma das empreiteiras usadas para financiar a eternização do PT no poder, via Petrobrás.

É próxima de zero a chance de Dilma e de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, aprovarem na íntegra as mudanças nas pensões por morte, no auxílio-doença, no abono salarial, no seguro-desemprego e no seguro-defeso. E não porque a oposição tenha essa força toda, mas porque a própria base de Dilma - a começar pelo PT - trabalha contra o pacote.

O problema nem está efetivamente nas medidas, alinhavadas na surdina pela equipe econômica petista do primeiro mandato e apenas sendo "lavadas" por Levy, que não teve nenhum problema em assumi-las.

As medidas fazem sentido. Não se pode confundir alhos com bugalhos, nem democracia com democratice, nem direitos com privilégios absurdos. Se a oposição quiser fazer oposição séria e se a base aliada quiser mudanças responsáveis, têm de reconhecer que muita coisa no pacote é necessária.

É importante haver um colchão de proteção para os mais frágeis e para situações específicas, mas há evidentes exageros que favorecem espertalhões e oneram a maioria dos contribuintes. Exemplo caricato: o sujeito de 80 anos casa-se com uma moçoila de 20 e o povo brasileiro tem de pagar pensão eterna para a viúva alegre. Ótimo negócio às nossas custas.

Mas, além de a oposição viver atarantada, a base aliada estar às turras com o Planalto e o PT sacar do populismo em momentos hostis, há outros problemas efetivamente graves atravancando o caminho do pacote de Dilma, previsto para economizar R$ 18 bilhões por ano.

O maior obstáculo é exatamente Dilma: ela esbanjou no ano eleitoral e agora quem paga a conta? E aquele personagem da campanha que acusava a oposição de querer massacrar os pobres e jurava não mexer na legislação trabalhista nem que a vaca tossisse? A novela acabou, caiu a fantasia. Mas o público não esqueceu.

O segundo obstáculo é o PT. Com a imagem arranhada pelo mensalão, pela Petrobrás e pelo governo Dilma, quer salvar a própria pele. Com Lula e o partido fortes, eles aprovavam tudo no Congresso.

Com Dilma e o partido ladeira abaixo, fica difícil convencer a opinião pública, a Câmara e o Senado da necessidade de reduzir direitos (mesmo mamatas) de trabalhadores e pensionistas. As perspectivas do pacote não são nada animadoras.

Em relação à conversa entre o ministro José Eduardo Cardozo e o advogado Sérgio Renault, que defende a UTC, empreiteira atolada nos escândalos da Petrobrás: quanto mais o governo e o ministro tentam explicar, pior fica.

Relatada pela Veja e intermediada pelo advogado e ex-deputado do PT Sigmaringa Seixas, a conversa não foi nada edificante para processos republicanos. Cardozo, chefe da Polícia Federal, teria "tranquilizado" os interlocutores, antecipando que tudo começaria a mudar na Operação Lava Jato.
Aliviados, eles já tomaram providências. O homem da UTC na cadeia desistiu da delação premiada, que empurraria o PT ainda mais para o fundo do poço e poderia chegar sabe-se lá onde - ou em quem.

E agora? O que vai mudar? Como, onde, por que e para quem?

O carnaval passou e, na Quarta Feira de Cinzas, Dilma continua num mar revolto, cheio de tubarões.

Os mais devoradores são justamente o PT, os "aliados" e Sua Excelência, o fato. Com tubarões assim, quem precisa de oposição de dentes afiados?

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