segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Entrevista. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980

'Ela divide para reinar, com grave consequência institucional'

• Para intelectual, denúncias sobre a investigação do caso Amia põem em dúvida a credibilidade do Estado

Rodrigo Cavalheiro - O Estado de S. Paulo

BUENOS AIRES - Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1980 por defender os direitos humanos durante a ditadura argentina, é um dos principais críticos da presidente Cristina Kirchner - cujo governo se orgulha de ter mandado à prisão militares que o pacifista enfrentou. Esquivel a acusa de falta de transparência e objetividade nas investigações do atentado contra a Associação Mutual Israelita-Argentina e na morte do promotor Alberto Nisman. "Este homem foi suicidado", diz o ativista, para quem as instituições locais perderam a credibilidade.

É a pior crise institucional argentina desde 2001?

São coisas diferentes. Naquele momento vivíamos uma crise política e econômica. Agora, temos um cenário com a morte de Nisman e a falta de resposta ao atentado à Amia, onde houve 85 mortos. Isso põe em séria crise a credibilidade dos Três Poderes. Após 20 anos, não se conseguiu responsabilizar quem praticou o atentado e acusa-se o Irã, sem muito fundamento, com base em relatórios da CIA e do Mossad, inimigos de Teerã. O governo não pode avançar, apesar do memorando firmado pela presidente com o Irã, muito questionado. Há muita coisa escondida. Há na população raiva e mal-estar. Teme-se que isso tudo leve a situações mais graves.

Por exemplo?

Há ameaças agora ao juiz Claudio Bonadío, que investiga os bens e os recursos da presidente em Santa Cruz (província de origem dos Kirchners).

Os críticos da presidente dizem que a separação dos poderes está comprometida. O sr. concorda?

Sim, o que ocorre é que o Congresso também é fraco. O que diz o Executivo não é analisado, não é questionado. O mesmo ocorre na a dissolução, ou aparente dissolução, dos serviços de inteligência, a Side. Isso é para ganhar tempo depois da morte de Nisman. Estão há 12 anos no governo e agora querem fazer uma reforma, na realidade uma maquiagem, em vez de uma análise profunda dos tipos dos serviços de inteligência de que o país necessita.

A exemplo de 72% dos argentinos, o sr. não acredita em suicídio de Nisman. Por quê?

Nisman "foi suicidado". Um homem que no dia seguinte se apresentaria no Congresso para esclarecer suas denúncias. Um homem que fez acusações graves a presidente, ao chanceler e a outros integrantes do kirchnerismo de levar adiante um acordo comercial com o Irã para retirar a culpa atribuída a funcionários iranianos pelo atentado. Queremos a formação de uma comissão investigadora independente do Estado, para se aprofundar a busca da verdade.

Essa comissão teria ajuda externa?

Não. Queremos gente daqui, convocar juristas e investigadores daqui.

O sr. não parece ver muitos fundamentos na denúncia de Nisman, por quê?

Como dizemos aqui, o campo está muito enlameado, muito sujo. É preciso ver também as implicações internas. Pedimos ao governo transparência e ações concretas. Porque sempre é mais do mesmo. As reformas no serviço de inteligência são uma maquiagem. Precisamos uma investigação profunda para que não se fique na impunidade. Estamos tratando de conseguir a Justiça de outra forma. Depois de 20 anos, estamos na estaca zero. Não há um só preso. É a total impunidade. Temos que mudar estes eixos para encontrar a Justiça.

Esses 20 anos de impunidade levaram os argentinos a perder a fé nas instituições?

A população está muito confusa, preocupada e doída. E isso põe em risco toda a institucionalidade. Por isso, pedimos responsabilidade ao governo, fundamentalmente, mas também ao Judiciário e o Legislativo. Hoje, eles não têm credibilidade.

Grupos de defesa dos direitos humanos, tema que é uma bandeira da presidente, pedem que sejam abertos os arquivos de inteligência. Este "fogo amigo" representa um risco eleitoral para o candidato que a presidente indicar na eleição de outubro?

Cristina e Néstor tiveram a vontade política de apoiar a nulidade da Lei da Anistia. Mas ficaram nisso, na punição aos delitos de direitos humanos na época da ditadura militar, de 1976 a 1983. Daí pra frente, fecharam toda possibilidade de defesa dos direitos humanos.

Churrascos de kirchneristas são evitados por quem não é K e vice-versa. Há brigas em festas familiares. Essa divisão na sociedade argentina tem precedente?

O governo argentino deliberadamente dividiu todas as organizações. Os grupos de direitos humanos, o movimento sindical, os movimentos sociais. É motivo de uma preocupação enorme essa divisão. Ela aplica o princípio "dividir para reinar". Dividir para fazer o que está fazendo. Com grave consequência institucional.

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