terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Merval Pereira - Manobra sem efeito

- O Globo

A manobra da Controladoria-Geral da União (CGU) para fazer acordos de leniência com empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato não terá nenhum efeito legal na opinião do jurista Fábio Medina Osório, para quem uma das principais consequências do que classifica de "omissão governamental", em relação à Lei Anticorrupção, é a inviabilização de qualquer iniciativa da CGU.

A CGU, segundo Medina Osório, não pode instaurar investigações com base na Lei 12.846/13 antes da regulamentação dessa norma, nem desencadear processos punitivos e, muito menos, aplicar penalidades. "Por consequência, a autoridade administrativa não pode celebrar acordos de leniência".

Jurista, doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri e presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE), Medina Osório publicou um artigo ontem no site da revista "Carta Capital" defendendo essa tese, que se junta à reação de diversos setores contra a instrução normativa que a CGU aprovou com o Tribunal de Contas da União (TCU) sob a coordenação do advogado-geral da União, Luís Adams.

Em nota, auditores de controle externo e procuradores de contas já haviam alertado que acordos de leniência na esfera administrativa podem livrar as empresas de punições na esfera penal como acusações por crimes de cartel e proibições de novos financiamentos com dinheiro público.

A partir da posição dessas entidades, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), através do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, encaminhou uma representação ao presidente do TCU, ministro Aroldo Cedraz, pedindo que o tribunal determine que a CGU não celebre acordos que possam atrapalhar o curso das investigações. No documento, o procurador defende que a "ampla possibilidade" de acordos de leniência traz embaraços aos avanços da investigação.

"Se for possível às empresas envolvidas em corrupção escolher com qual órgão elas vão celebrar acordos de leniência, evidentemente elas vão atuar como se estivessem em um leilão, escolhendo o acordo que lhes ofereça as melhores condições, novamente em prejuízo do interesse público de pôr fim à corrupção".

Para Medina Osório, a ausência de regulamentação federal impede que a lei seja aplicada na esfera administrativa, embora não iniba a atuação de instituições como o Ministério Público Federal. De acordo com o especialista, "eventuais acordos" na esfera administrativa poderão ser anulados no Judiciário.

"A lei prevê que, na omissão das autoridades administrativas - e este é o caso federal - outras instituições podem buscar a implementação da Lei Anticorrupção por via judicial, marcadamente o MPF", ressalta.

A ausência do Regulamento Federal não impede que a Lei Anticorrupção venha a ser aplicada no arcabouço de ações civis públicas, mas pode "inviabilizar aplicação da Lei Anticorrupção por autoridades administrativas federais, na medida em que não existem parâmetros de "compliance" para nortear a imposição de penalidades".

Medina Osório lembra que a Lei 12.846/13 define que serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal os critérios do "compliance". O regulamento do Executivo, cuja minuta Medina Osório diz estar na mesa da presidente Dilma, "deverá definir e detalhar quais são os procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades que as empresas estarão obrigadas a adotar em âmbito federal, e por meio de quais instrumentos obrigatórios as empresas deverão viabilizar a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta em suas estruturas internas. Só assim, as empresas terão direito ao devido processo legal administrativo".

A Lei Anticorrupção é produto de compromissos internacionais, e a sua não regulamentação pelo Poder Executivo federal gera "ambiente de impunidade e de insegurança jurídica", afirma Medina Osório.

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