terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Noah Feldman - Grécia vira à esquerda, e a Europa, à direita

Na Europa, quanto pior é a situação para a economia, pior para a extrema-direita e melhor para e melhor para extrema-esquerda

- O Globo

Por que a Grécia optou por um governo de esquerda num momento em que os eleitores descontentes de outras partes da Europa viraram à direita?

No norte do continente, os partidos preferidos dos eleitores frustrados são os de direita e anti-imigrantes. Então, por que os gregos desolados foram para a esquerda, elegendo o Syriza para comandar o país? Optar pela esquerda em vez da direita é ainda mais surpreendente porque a Grécia é uma das portas de entrada para novos imigrantes na Europa.

E caso o partido Podemos na Espanha continue a crescer, o contraste entre o norte e sul da Europa será ainda mais impressionante. Uma combinação entre economia, política e história pode lançar luz sobre essas diferenças. A resposta mais simples — e mais surpreendente — pode ser a seguinte: quanto pior a economia, pior para a extrema-direita e melhor para a extrema-esquerda.

As economias do sul da Europa vivem um problema mais profundo do que seus pares no centro e no norte do continente. Isso gera dois efeitos distintos, que juntos explicam a diferença entre uma virada à esquerda ou à direita.

Primeiramente, a Grécia enfrenta exigências de aplicação de medidas de austeridade feitas pelos membros do norte da União Europeia (UE), sobretudo da Alemanha. Isso significa que os gregos percebem o “bandido” como um agente externo, e não interno. Assim, identificam o neoliberalismo de Angela Merkel como a fonte imediata de seu infortúnio.

A resistência em reduzir o funcionalismo estatal, cortar orçamento, trabalhar mais por menos dinheiro e ter férias menores se torna a resistência contra a economia de mercado propriamente dita. A esquerda radical ex-comunista se torna o canal natural para tal resistência. O programa econômico da esquerda simplesmente nega que tais medidas, no fim das contas, serão benéficas, e em vez disso sustenta a promessa de mandar às favas a Europa.

No norte da Europa, as economias podem estar em crise, mas nenhuma força política europeia externa está pressionando por reformas estruturais fundamentais. Os frustrados eleitores que veem suas conquistas trabalhistas reduzidas, mesmo que moderadamente, elegem, portanto, um alvo diferente. Aqueles que chegaram recentemente — os imigrantes — são os tradicionais objetos de sua crítica. O contrato social pode parecer estar se desestruturando como resultado do neoliberalismo, mas, como ninguém forçou tais mudanças sobre as sociedades do norte da Europa, é bem mais fácil culpar os imigrantes de serem um peso para o Estado, ao tornarem o contrato social muito caro. Não importa se é verdade: a questão é culpar qualquer um, menos a si próprio.

O segundo efeito dos problemas econômicos no sul da Europa é que os eleitores estão genuinamente procurando por uma alternativa viável de política econômica. Na Grécia do pós-Guerra, a chamada esquerda “hard” (situada, digamos, como à esquerda do socialismo democrático) tem uma história de participação política significativa no governo.

Em contraste, a extrema-direita do norte da Europa não tem um programa econômico crível e nem um histórico de participação em governos no pós-Guerra. Pode-se votar nos xenófobos do Partido dos Democratas Suecos ou do Partido do Povo Dinamarquês porque se está furioso com a forma como o país anda — mas não se pode votar neles acreditando que possuem algum programa econômico que tornará as coisas melhores. Tudo o que prometem é fechar as fronteiras a novos imigrantes. Ou seja, os partidos de extrema-direita do norte da Europa podem surgir em parte da frustração econômica, mas suas políticas estão focadas em questões sociais e culturais, e não econômicas. Votar nesses partidos é uma espécie de luxo para eleitores que percebem que suas economias estão em dificuldade, mas não em queda vertiginosa.

E há igualmente a diferença histórica entre norte e sul da Europa. Na Grécia, assim como na Espanha, a extrema-direita chegou ao poder no período pós-Guerra. Os coronéis que governaram a Grécia entre 1967 e 1974 se apoiaram numa ideologia de direita anticomunista. Na Espanha, o generalíssimo Francisco Franco foi mais ou menos o último fascista europeu vivo — e ele governou até a morte em 1975.

Essa experiência significa que gregos e espanhóis não precisam fantasiar sobre como é um governo de direita: eles sabem muito bem. Isso gera um poderoso desestímulo em votar nesses partidos de modo que possam ir além do protesto para o governo. Na Grécia e na Espanha, os eleitores sabem que a extrema-direita não tem soluções mágicas para os problemas econômicos. E sabem também que, qualquer que seja o limite, governos de centro-esquerda e centro-direita trouxeram mais prosperidade econômica do que seus rivais extremistas.

No norte da Europa, a história é mais complexa. A Alemanha, é claro, passou pela experiência do Nacional-Socialismo, mas poucas pessoas politicamente ativas hoje lembram dos anos nazistas. Em nenhum lugar no norte da Europa a extrema-direita governou de fato desde a Segunda Guerra — e isso apesar do pavor do comunismo nos anos da Guerra Fria. A falta de uma experiência real com a extrema-direita alimenta a fantasia de alguns eleitores do norte da Europa de que as coisas podem ser magicamente resolvidas se a extrema-direita pudesse ter mais influência no governo.

No centro da Europa está a França, meio norte e meio sul em termos geográficos e culturais. O programa econômico gaulês nem é liberal nem é socialista, mas algo entre os dois: dirigido pelo Estado e orientado nacionalmente. No fim, o fator mais importante é certamente a economia: enquanto a França não seguir o mesmo caminho de Grécia ou Espanha, é provável que alguns dos franceses mais frustrados economicamente votem em Marine Le Pen.
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Noah Feldman é professor de Harvard e colunista da Bloomberg News

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