segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Suposta delação contra prefeito de Caracas foi sob tortura, diz defesa

• Segundo advogado de Antonio Ledezma, detento o incriminou para sair de prisão temida por abusos

• Apontado como delator, José Arocha Pérez nem conheceria Ledezma; opositor deve entrar com recurso nesta terça

Samy Adghirni – Folha de S. Paulo

CARACAS - A Justiça da Venezuela usou informações obtidas sob tortura para prender o prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, acusado de conspirar contra o presidente Nicolás Maduro.

Foi o que disse à Folha, por telefone, o advogado de Ledezma, Omar Estacio.

Para Estacio, quem forneceu as informações falsas foi o militar aposentado José Arocha Pérez, preso pela mesma razão que Ledezma: envolvimento nos protestos que deixaram 43 mortos em 2014.

Maduro diz que protestos são parte de uma conspiração para derrubá-lo. No domingo, acusou líderes da oposição de guardar um "silêncio cheio de cumplicidade" diante dos supostos planos golpistas.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

José Arocha Pérez
A acusação se baseia no depoimento de José Gustavo Arocha Pérez, um coronel da reserva preso em maio de 2014 por vínculos com uma empresa que teria financiado os protestos daquele ano.

Ele passou cinco meses na "Tumba", uma prisão do Sebin [Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional] situada vários andares abaixo da terra. O frio ali é terrível e a comida, intragável. Presos são obrigados a ouvir música a todo volume. Estar na tumba é sinônimo de tortura.

Para aliviar sua pena, Arocha Pérez declarou-se culpado e denunciou políticos, entre os quais Ledezma e [a deputada cassada] María Corina Machado. Isso saiu na imprensa à época.

Desde então, Arocha Pérez foi transferido da "tumba" para outro presídio. Está claro que a confissão foi obtida sob tortura. Arocha Pérez e Ledezma nem se conhecem.

Manipulação
Os indícios contidos na denúncia são descabidos, como, por exemplo, a tentativa de vincular Ledezma com Lorent Saleh [estudante preso sob acusação de semear o caos nos protestos de 2014 para criar condições a um golpe].

A agenda de Saleh continha o telefone de Ledezma, mas e daí? Ledezma é uma pessoa pública, muitos têm seu celular.

Também mostram como prova fotos em que aparecem juntos. Ora, Saleh esteve numa reunião do partido Acción Democrática e alguém tirou fotos em que, por acaso, também estava Ledezma.

A gravação de Skype na qual Saleh fala de Ledezma é pura obra de edição.

Também dizem que o prefeito era vinculado a Ronny Navarro [estudante também preso pelos protestos]. Navarro era funcionário da prefeitura, é óbvio que conhece Ledezma.

Tudo isso é manipulação. Por acaso o presidente da República é responsável por todos os crimes cometidos pelos servidores?

'Governo de transição'
Não quero entrar no mérito do [recente] comunicado em que Ledezma, Machado e Leopoldo López [preso há um ano pela participação nos protestos] defendem uma 'transição' no país. Este é um tema político e eu me atenho a questões jurídicas. Mas que conspirador é burro a ponto de sair por aí contando seu plano para todo mundo?

Recurso
Até terça (24) apresentarei recurso contra as duas acusações, que não resistem a qualquer análise jurídica séria.

Primeiro, a associação para delinquir é estabelecida pela Convenção de Palermo (2000) para combater atividades ilícitas com fins econômicos. É, basicamente, uma lei antimáfia. Onde está o benefício econômico de Ledezma?

Já a conspiração, pela lei, só existe quando há tentativa de atentar contra a "forma republicana" da nação. A acusação contra Ledezma não fala que ele tentou mudar a forma republicana. Fala em golpe de Estado, que é bem diferente. Isso basta para derrubar a acusação.

Sem falar nas irregularidades, como ter sido levado sem mandado de prisão e não informarem ao prefeito que ele era investigado desde 2014, violando seu direito a defesa.

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