sexta-feira, 27 de março de 2015

Carlos Pereira - Democracia nos nossos ouvidos

• Efeitos do impeachment não levam a crises debilitantes e proporcionam reequilíbrios no sistema político do país, fortalecendo a democracia

- Folha de S. Paulo

É possível observar argumentos reticentes à possibilidade do impeachment da presidente da República. Não me refiro à resistência natural daqueles que são contrários ao impeachment por razões de alinhamento político-ideológico e que procuram se segurar em potenciais malfeitos cometidos por governos anteriores a fim de justificar atos de impunidade e desvios do presente.

Tem sido comum escutar frases como "o que será do Brasil na mão do PMDB ocupando a presidência? Ruim com ela, pior com o Michel Temer", "ao contrário de Collor, o PT tem base social e vai resistir a um processo de impeachment", "a polarização desencadeada por um processo de impeachment traria riscos à democracia", "o PT vai se vitimizar sob a bandeira do 'golpismo' e os custos do impeachment serão enormes" e por aí vai.

Quando não se pune adequadamente malfeitos e desvios de governantes, alimenta-se o sentimento disfuncional de "cinismo cívico". Esse sentimento de "vale-tudo" é devastador para as relações dos cidadãos com a política. Por outro lado, quando se pune adequadamente, como ocorrido no julgamento do mensalão, reforça-se a ideia de que as instituições de controle funcionam e que a sociedade não compactua com desvios éticos.

Argumentos pragmáticos sobre as potenciais consequências negativas de impeachment não encontram respaldo empírico. Os efeitos do impeachment sobre a governança, qualidade da democracia e sobre a economia são efêmeros. Na realidade, não levam a crises debilitantes e proporcionam reequilíbrios no sistema político.

No lugar de enfraquecer, a democracia se fortalece em novas bases quando os parâmetros da governabilidade são reequilibrados. Ao se responsabilizar atores políticos, portanto, ocorre um processo de retroalimentação da virtude sob vícios.

Para a geração que nasceu na década de 1960, discutir e participar ativamente da política ou era coisa proibida ou restrito para poucos "irresponsáveis". Testemunhar, nos dias de hoje, o país engajado e a sociedade mais politizada, discutindo e se posicionando politicamente nas esquinas, nos bares, nas mídias sociais, na salas de aula é motivo de regozijo.

Ver os vizinhos correrem às suas varandas e janelas a baterem panelas e, aos berros, gritarem "Fora, Dilma!" enquanto a presidente falava em cadeia nacional foi surpreendente. Da mesma forma, foi democrático ver, na sexta-feira, 13 de março, milhares de militantes com suas camisas vermelhas invadirem as ruas de várias cidades brasileiras em defesa do governo Dilma e de sonhos de um país mais inclusivo, igualitário e democrático.

No domingo, 15 de março, também nos surpreendemos ao ver outros tantos milhares de cidadãos por todo o Brasil saírem às ruas vestindo verde e amarelo protestando contra a corrupção no governo Dilma. Muitos, inclusive, pedindo o impeachment da presidente.

Sim, o país está muito dividido e extremamente polarizado. E daí? Será que isso traz algum risco à democracia? O mais surpreendente é que a resposta a essa pergunta é um sonoro não! Um não barulhento como as panelas soando às janelas; um não tão alto quanto os gritos em defesa e contrários ao governo.

A democracia não se arrisca quando vai às ruas, a democracia não se coloca em perigo quando há divergência de opiniões, de projetos e de interpretações. A democracia se constrói no dissenso e no debate de ideias, no direito à oposição e na incerteza dos resultados.

Aqueles que preferem o silêncio e que têm receios das suas consequências que se recolham aos seus sofás e reclamem do barulho que a democracia faz.

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Carlos Pereira, cientista político, é professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV. É coautor de "Beliefs, Leadership and Critical Transitions: Brazil 1964-2014", que será lançado em 2015 pela Princeton University Press

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