quarta-feira, 4 de março de 2015

Derrotado, Planalto é obrigado a adotar rito mais lento para ajuste

• Decisão ocorreu após o presidente do Senado se recusar a apreciar MP

• Desfecho que atrasa a efetivação do ajuste fiscal é a 1ª derrota do ministro Joaquim Levy no Congresso Nacional

Mariana Haubert, Paulo Gama, Natuza Nery e Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A devolução pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da medida provisória que revisa as regras de desoneração de folha de pagamento deverá afetar o ritmo do ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy (Fazenda). Foi a primeira derrota de Levy no Congresso.

Medidas provisórias têm força de lei: seus efeitos são imediatos. Como trata-se de matéria tributária, a mudança valeria de fato após 90 dias de sua publicação.

Após a devolução, o governo disse que enviará um projeto de lei sobre o tema --a maneira correta de discutir o assunto, conforme Renan--, o que gera uma tramitação mais longa até a aprovação. Só então a revisão entrará no prazo de 90 dias para passar a valer.

Foi pedida urgência no trâmite. Mas com o mau humor do PMDB com o governo, é previsível que haja atrasos.

Assim, a afirmação da nota oficial de que "a substituição da MP pelo projeto de lei não trará prejuízo para o ajuste fiscal pretendido pelo governo federal" soa otimista.

Levy não comentou o episódio, que o recoloca em evidência depois de ter sido repreendido pela presidente Dilma Rousseff após dizer que a política de desonerações vigente é "grosseira".

Segundo interlocutores de Dilma, Levy não vem sendo hábil politicamente na negociação de seu pacote --cujas partes mais impopulares, como a mudança na concessão de seguro-desemprego, ainda serão votadas no Congresso.

O aumento de impostos para setores favorecidos com desoneração iria gerar R$ 5,4 bilhões para os cofres públicos em 2015. O ajuste total estimado pela equipe econômica é de cerca de R$ 100 bilhões.

Além da reação política à inclusão de seu nome na lista dos possíveis investigados da Operação Lava Jato, Renan demonstra contrariedade pública com o tratamento dado pelo governo ao Congresso.

"Não é saudável aumentar impostos por medidas provisórias. Isso é reduzir o papel do Congresso e não podemos concordar com isso. O Poder Executivo, ao abusar das medidas provisórias, deturpa o conceito de separação dos poderes, invertendo os papéis de cada um deles", afirmou.

Segundo Renan, o governo pegou parlamentares de surpresa ao editar a medida provisória na semana passada.

"Aumentar impostos por meio de medida provisória poucos meses após ter concedido uma vantagem fiscal que se dizia definitiva sem a mínima discussão com o Congresso Nacional é um péssimo sinal para quem deseja vender a imagem da normalidade institucional e econômica do país", disse.

O regimento do Senado dá a ele o direito de rejeitar medidas provisórias durante seu prazo de admissibilidade por ter como atribuição "os deveres de zelar pelo respeito às prerrogativas do Senado, bem como de impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição".

O expediente é incomum. É a primeira vez que ocorre sob Dilma. Em 2008, no governo Lula, Garibaldi Alves (PMDB-RN) rejeitou uma medida sobre filantrópicas. O caso anterior remonta a 1989.

Renan foi aplaudido por senadores de oposição, mas criticado por Lindbergh Farias (PT-RJ), que falou em "irresponsabilidade" que irá causar "impacto brutal".

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