terça-feira, 17 de março de 2015

Dilma propõe trégua e diz que país rejeita 'golpismo'

• 'Vamos brigar depois', sugere a presidente, um dia após enfrentar protestos

• Petista admite que pode ter havido 'erro de dosagem' na economia e reafirma disposição de fazer ajuste fiscal

Mariana Haubert, Natuza Nery, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

Protestos de março

BRASÍLIA - Um dia depois das manifestações em algumas das principais cidades do país, a presidente Dilma Rousseff admitiu que pode ter cometido "erro de dosagem" na condução de sua política econômica, pediu trégua aos críticos e afirmou que o país rejeita o "golpismo" e o "retrocesso".

Ainda tentando assimilar o susto gerado pelo tamanho dos protestos do domingo (15), Dilma teve uma segunda-feira atípica. Aproveitou uma cerimônia no Palácio do Planalto para responder parte das críticas feitas ao seu governo durante os protestos, como os pedidos de impeachment, e rebater os que defenderam a volta dos militares.

Em vários momentos, falou em "humildade" e que governa para todos, para quem votou e quem não votou em seu projeto. Depois, emendou o evento com uma entrevista coletiva e encerrou o dia reunida com o ex-presidente Lula, com quem já tinha se encontrado uma semana antes.

Ainda pela manhã, a presidente conduziu uma reunião ampla com o vice, Michel Temer (PMDB), e dez ministros. Na pauta, o cenário pós-manifestações e o envio das propostas anticorrupção e da reforma política ao Congresso, únicas respostas encontradas até agora para tentar reagir às críticas.

Avessa a discutir questões políticas com muita gente, Dilma tem sido obrigada a ampliar os fóruns de debate interno por causa da crise.

'Senhora idosa'
Incomoda por ter se tornado alvo das manifestações contra a corrupção, a presidente fez questão de frisar que o problema não é exclusivo do Executivo, como acusou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), durante evento em São Paulo.

"A corrupção não só é uma senhora bastante idosa neste país como ela não poupa ninguém. Pode estar em tudo quanto é área, inclusive no setor privado".

Pela primeira vez desde que foi reeleita, Dilma ensaiou um mea-culpa na condução da economia, mas depois relativizou a autocrítica.

"É possível que a gente possa até ter cometido algum [erro]. Tem gente que acha que a gente tinha que ter deixado algumas empresas quebrarem e os trabalhadores se desempregarem. Eu tendo a achar que isso tinha um custo muito grande para o país. É possível discutir se podia ser um pouco mais ou um pouco menos", disse.

Depois, ao voltar ao tema, disse que "em qualquer atividade humana se comete erros". "Longe de mim, ou longe do meu governo achar que não cometeu erro nenhum."

Dilma tem sido pressionada a reconhecer erros durante seu primeiro mandato e, sobretudo, a explicar a diferença entre o tom otimista usado na eleição e as medidas de arrocho fiscal lançadas após sua vitória, em outubro.

O rigor do ajuste tem relação com o descontrole das contas públicas no primeiro mandato da petista. Daí a necessidade de aprovar, com urgência, um conjunto de medidas para reequilibrar gastos e receitas.

"Quando a gente diz que o 'quanto pior melhor' é algo que não se pode aceitar, o que nós estamos dizendo é o seguinte: vamos brigar depois, agora vamos fazer, para o bem do Brasil, tudo aquilo que tem de ser feito pelo bem do Brasil. É essa a ideia."

Dilma foi mais assertiva ao falar de erros cometidos por seu governo ao comentar a situação do Fies, programa de financiamento estudantil que vem sendo reformulado.

"O governo cometeu um erro no Fies. Passou para o setor privado o controle dos cursos [...]. Isso não é culpa do setor privado. Fomos nós que fizemos isso", afirmou.

Impermeável
Na solenidade de sanção do novo Código de Processo Civil, Dilma aproveitou para dizer que não há ambiente no Brasil para rupturas, referindo-se às manifestações de domingo no país inteiro.

Ao se recordar dos tempos de luta contra a ditadura, não escondeu a emoção.

"Nunca mais no Brasil nós vamos ver pessoas que, ao manifestarem sua opinião, seja contra quem quer que seja, inclusive a Presidência da República, possam sofrer quaisquer consequências", disse a ex-militante presa e torturada na juventude.

"Valeu a pena lutar pela liberdade, valeu a pena lutar pela democracia", disse a petista. "Esse país está mais forte do que nunca".

Segundo Dilma, diante de "convites a aventuras e a rupturas da normalidade política", o Brasil é um país amparado "na democracia representativa, na livre manifestação popular, nas ruas e, nas urnas, se torna cada vez mais impermeável ao preconceito, à intolerância, à violência, ao golpismo e ao retrocesso".

Em vários momentos do discurso, a presidente se referiu ao período da ditadura para dizer que as manifestações realizadas em diversas localidades no domingo, sobretudo na avenida Paulista, em São Paulo, não seriam possíveis se o país não tivesse um regime democrático.

A presidente prontificou-se a dialogar com todos os setores da sociedade, mas esclareceu que não pode obrigar ninguém a conversar com o seu governo.

À noite, quando o "Jornal Nacional" da TV Globo mostrava trechos de seu discurso e de sua entrevista, houve panelaço em alguns bairros de São Paulo, Rio e Brasília.

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