sábado, 28 de março de 2015

Entrevista. Aécio Neves

PSDB apresentará propostas para reforma política após Semana Santa, diz tucano

• Presidente nacional da sigla falou ao 'Estado' sobre iniciativas que o partido vai defender, que incluem o fim da reeleição e limitação ao financiamento privado

Felipe Corazza – O Estado de S. Paulo

Em viagem a Lima, no Peru, o senador e presidente nacional do PSDB, Aécio Neves afirmou em entrevista ao Estado que seu partido vai anunciar, logo após a Semana Santa, um conjunto de propostas para a reforma política em debate no Congresso que inclui o fim da reeleição, mandato de cinco anos e até a adoção do voto distrital misto, como é adotado atualmente na Alemanha.
O tucano participa do Seminário Internacional América Latina: Desafios e Oportunidades, organizado pela Fundação Internacional para a Liberdade, presidida pelo nobel de literatura Mario Vargas Llosa. Ele foi convidado para falar sobre a crise no Brasil, e fez várias críticas ao governo Dilma Rousseff e ao que ele classifica como omissão do governo brasileiro nos episódios de perseguição política e prisão de opositores na Venezuela. "É um governo que flerta com o bolivarianismo", afirmou em relação à gestão petista. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Estado - Como essa extensão da agenda rumo à Venezuela se encaixa na estratégia do PSDB? É resposta a alguma demanda?

Sim, tanto interna quanto externa. Há uma cobrança muito grande pela omissão do Brasil em relação à escalada autoritária em alguns países, em especial na Venezuela. O Brasil deveria ter uma posição de liderança natural na região e é muito cobrado por essa absoluta omissão que, a meu ver, chega quase à cumplicidade com esses governos. E se há um vácuo deixado pelo governo, é importante que outras forças políticas ocupem esse espaço. O que nós estamos demonstrando de forma muito clara é nosso apreço pela democracia, nosso apreço pela liberdade e a nossa absoluta indignação com o fato de, em pleno século 21, termos ainda presos políticos na nossa região. Isso atende a uma expectativa dos setores que nos apoiam no Brasil e é o início de uma ação estratégica de nos vincularmos aos setores na região que têm esse mesmo sentimento. É o início de uma movimentação de aproximação. Isso só surge porque o governo federal deixa um vácuo muito grande nessa escalada.

Estado - O sr. classifica o governo da presidente Dilma como um governo bolivariano?

É um governo que flerta com o bolivarianismo, seja pela solidariedade política explícita que dá a esse governo (da Venezuela), o próprio presidente Lula participou da campanha da eleição do presidente Maduro. Felizmente, no Brasil nós temos instituições sólidas, democráticas e que funcionam muito bem. Mas, quando a gente vê, volta e meia, o discurso de controle social da mídia, que é um eufemismo para censura, permear as discussões do partido que está no governo, quando nós assistimos à radicalização do discurso de classes, o 'nós contra eles', 'elite contra povo', é algo que se aproxima do bolivarianismo. Os governos populistas buscam sempre ter uma massa de manobra, precisam dela para se manter no poder e, na verdade, o discurso de proteção a essas massas acaba tendo como efeito o contrário, o empobrecimento dessas massas. É o que nós estamos assistindo agora com a escassez de alimentos na Venezuela e com o retorno da inflação no Brasil. Os primeiros a serem punidos são aqueles que os governos populistas dizem querer defender. Então, nós vamos encontrando sempre paralelos e flertes desses governos com o governo do Brasil. E populismo é um parente muito próximo do autoritarismo. Nossa posição não é contra o governo do presidente Maduro, é a favor da democracia e da liberdade de manifestação contra aquele governo e contra qualquer outro.

Estado - O sr. menciona a inflação brasileira. Diante da crise política que se apresenta no Brasil, qual é o horizonte para as medidas de ajuste fiscal que dependem de aprovação do Congresso?

As medidas, para usar um termo muito caro à presidente da República, são rudimentares. Elas não entram na questão estrutural, não se discute a reforma tributária, a simplificação do sistema, a valorização das agências reguladoras, não se discute um novo pacto federativo. Elas têm dois pilares fundamentais: o aumento da carga tributária e a supressão de direitos trabalhistas. As medidas apontam, na verdade, para um cenário de ainda mais recessão. Tentando enxergar lá adiante, o que percebo? Que a crise de confiança se agrava porque o governo não demonstra sequer confiança no que está sendo feito. Na verdade, a presidente tem hoje um interventor na Economia, que, por mais que se esforce, não consegue sinalizar para os brasileiros o outro lado da ponte, expectativas positivas. O cenário que se apresenta é apenas um cenário de recessão e agora ataca o principal pilar, que foi a geração de empregos. País que não cresce ou cresce negativamente, obviamente, não gera empregos. Não vejo como essas medidas vão resgatar a confiança daqueles que devem investir no Brasil. O governo não dá qualquer exemplo, não corta na sua carne, não demonstra intenção de estabelecer novos paradigmas de gestão pública. Me parece que a presidente utiliza essas medidas como uma boia para alguém que está afundando, mas dá a sensação de que, quando conseguirem dar umas braçadas, vão largar a boia. O Brasil vive uma crise econômica gravíssima.

Estado - O PIB de 2014 foi divulgado agora...

Na campanha eleitoral, num dos últimos debates, eu disse à presidente que o Brasil cresceria 0,3% (em 2014). Ela reagiu, perguntou de quem eram esses dados, disse que o Brasil cresceria muito mais que isso. Eu estava errado. Não cresceu 0,3%, cresceu 0,1%. O que se tem hoje é um cenário de crise econômica, moral e, a emoldurar isso, uma crise de confiança. Eu creio que, infelizmente, os anos que estão por vir serão muito duros para o Brasil. Obra do governo do PT, que colocou 20 anos de conquistas pela janela.

Estado - O sr. afirmou há pouco que a reforma política deve sair em mais 2 ou 3 meses. Qual reforma pode ser entregue nesse prazo?

O PSDB apresentará, logo após a Semana Santa, um conjunto de medidas para a reforma política, as mais adequadas. Algumas são convergentes com outros grandes e médios partidos.

Estado - Quais medidas?

Primeira medida: fim da reeleição e mandato de 5 anos para todos os cargos, com a coincidência de todas as eleições a partir de 2022, para respeitar as regras pelas quais os atuais detentores de mandatos foram eleitos.

Segunda: fim das coligações proporcionais, que nós já aprovamos no Senado - isso é uma forma indireta de você diminuir o número de partidos políticos.

Terceira que nós defendemos: cláusula de barreira. Os partidos podem se constituir, mas só terão direito a tempo de TV e Fundo Partidário se alcançarem um percentual mínimo de votos. Isso era de 5% (na medida original antes de 2006), mas pode ser que a gente faça um entendimento em torno de 3%. Se aplicado hoje, os 28 partidos do Congresso Nacional se transformariam em 9 ou 10 partidos. Ainda é muito para mim, mas já é uma melhora extraordinária.

Quarta: O voto distrital misto, onde metade do Parlamento é eleito através de eleições majoritárias nos distritos e a outra metade por lista partidária. É um sistema mais evoluído, é o sistema alemão.
Quinta: Limitações ao financiamento privado. Defenderemos o financiamento misto, onde as empresas tenham limites mais rígidos para participar das campanhas eleitorais.

Esse conjunto de medidas será apresentado pelo PSDB logo após a Páscoa. O Brasil tem uma última grande oportunidade de fazer uma reforma política que enxugue o quadro partidário. Se não fizermos agora, na próxima eleição teremos 40 partidos no Congresso Nacional. Não há quem possa achar que isso é governável. Infelizmente, o governo federal vai contramão do bom senso e estimula a criação de novos partidos, achando que isso enfraquece a oposição e enfraquece alguns de seus principais aliados como o PMDB.

Estado - Como o partido está lidando com o surgimento do nome do ex-deputado Márcio Fortes (PSDB-RJ) entre os correntistas do HSBC na Suíça?

Eu vi isso pelo jornal. Certamente, o ex-deputado Márcio Fortes saberá explicar isso, não tem nenhuma conotação com o partido. Assim como outros detentores de contas trouxeram suas explicações, nós esperamos que ele possa pessoalmente esclarecer.

Estado - O sr. irá às ruas no dia 12?

Tem gente me empurrando pras ruas, né? (risos) O nosso cuidado é que quanto mais da sociedade forem esses movimentos, mais legítimos eles serão. Nós não podemos nos apropriar de algo que não é nosso, até porque não são a nosso favor (as manifestações). São contra o governo, contra a mentira, a crise econômica, mas são movimentos espontâneos da sociedade. O papel mais importante da classe política é transformar essa insatisfação em conquistas, seja em reforma política, ações efetivas de combate à corrupção, a garantia de liberdade para que as investigações continuem ocorrendo no Brasil. É o nosso papel principal hoje. Não tomei uma decisão sobre estar presente ou não, mas tenho estimulado os companheiros, como cidadãos, a se fazerem presentes. Quem estiver com nó na garganta, querendo gritar, tem o direito de ir. Eu vou definir minha presença mais tarde.

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