segunda-feira, 23 de março de 2015

Entrevista - Marina Silva

O fim da política como projeto para o país

• Permanecer no poder é a grande meta

- Folha de S. Paulo - Ilustríssima

• Resumo
Em resposta por e-mail a questões da "Ilustríssima", Marina Silva, candidata à Presidência em 2014, diz que o governo terá muita dificuldade "para sair do beco". Ela não crê numa "mudança verdadeira" da atual coalizão e considera que a permanência no poder a todo custo aprofunda a cultura do patrimonialismo.

Folha - O capital político da presidente Dilma foi rapidamente corroído após as eleições. Ela parece desagradar não apenas os que votaram na oposição mas também setores de seu eleitorado que se sentem ludibriados pelo discurso de campanha. A presidente tem condições de restabelecer sua autoridade e assumir a liderança do processo, de modo a pacificar o país?

Marina Silva - É evidente que a presidente, seu governo e os partidos que a apoiam terão muita dificuldade de sair do beco em que se meteram. O principal problema é que governo e o PT abandonaram a política como forma de negociar, dialogar, mobilizar e propor um projeto para o país. Não há um plano, e as dificuldades não são referentes à execução de um projeto. As crises são encaradas apenas como circunstâncias e momentos desfavoráveis que podem ser superados por estratégias de marketing, com o objetivo de recuperar a "imagem", os índices de avaliação positiva nas pesquisas e a "governabilidade". Isto é, as condições de se manter no poder.

A permanência no poder a qualquer custo aprofunda a cultura do patrimonialismo, que retalha o Estado, suas instituições e orçamentos em feudos partidários, grupais ou até mesmo pessoais. A negociação, nesses termos, dissolveu o sentido público que ela poderia ter. Insistindo nesse sistema, qualquer ação do governo para sair da crise só faz aprofundá-la.

Seria necessário dispor-se a uma mudança grande e verdadeira, não sei se a coalizão governista está disposta a tanto. Um dia desses vi uma charge muito expressiva --os humoristas sempre conseguem captar a essência da situação. Uma pessoa, numa tribuna, perguntava "quem quer mudança?", e todos na plateia levantavam a mão. Quando ele tornava a perguntar "quem quer mudar?", todo mundo ficava de cabeça baixa, com expressão desanimada.*

Alguma surpresa com o envolvimento de setores do PT nos desvios da Petrobras? O que houve com aquele partido que se propunha a mudar a cultura política brasileira?

Eu me surpreendi em 2005, na denúncia do mensalão. Agora, não temos mais o direito de estar surpresos. E, assim como a corrupção é inaceitável, também é inaceitável a ideia de que a "causa" justifica o uso de meios ilícitos.

Essa ideia parece ter tomado conta de setores importantes do partido. Em muitos momentos, lideranças relevantes tentaram justificar a corrupção como parte intrínseca da luta pelo poder, quase se vangloriando de não ter usado a propina para enriquecimento individual. Essa visão destrói a política, pois busca naturalizar o que deve ser combatido e distorce a democracia, pois cada vez mais a "causa" se confunde com a manutenção do poder, encarado não mais como um instrumento para a transformação da sociedade mas como um fim em si mesmo.

A resposta da presidente às manifestações foi satisfatória? Por que?

Não considero que o que foi dito e feito até agora pode ser chamado de resposta. O símbolo maior desse pacote anticorrupção é a publicação do decreto que regulamenta uma lei aprovada pelo Congresso Nacional em agosto de 2013, em resposta às manifestações de junho daquele ano. Se houvesse a vontade política de responder à altura o reclamo da sociedade, a presidente não teria esperado quase dois anos para regulamentar aquela lei. Foi preciso que, novamente, mais de 1 milhão de pessoas fossem às ruas para tirar a regulamentação da lei da gaveta. É um tempo muito longo para tão pouco resultado.

Mais uma vez o governo afirmou, após as manifestações, que é preciso fazer uma reforma política para fechar as portas da corrupção. Esse é o principal problema?

A reforma política é uma necessidade para além do combate à corrupção, ainda que esse seja um objetivo importante. Trata-se de buscar soluções para uma ampla crise de representatividade, em que a corrupção é uma consequência. Não é um problema recente, mas fruto de um sistema político que vem se deteriorando há muitos anos, e as forças políticas que vêm comandando o país nos últimos anos pouco fizeram para transformar essa realidade. Ao contrário, aprofundaram essa forma de coalizão baseada na distribuição de pedaços do Estado.

Apresentar a reforma política como resposta à corrupção pode parecer oportunismo de quem tenta se colocar como um agente moralizador, como se não tivesse responsabilidade na institucionalização da corrupção, como estamos vendo.

Exortar os brasileiros a "defender a Petrobras" é um exemplo. É tratar a realidade pelo avesso, ou seja, a maioria dos brasileiros já defende a Petrobras, e a defende justamente do grupo político --governista-- que a deixou nesse estado de desmonte. Precisamos discutir a reforma política sob esse prisma mais profundo, que deve ter como objetivo melhorar a qualidade das instituições, da representação política e ampliar os canais que permitam integrar melhor a contribuição da sociedade, com transparência e mais autonomia.

Como avalia hoje a dinâmica da campanha passada e a derrota de seu projeto de terceira via? Uma "nova política" sem partidos tradicionais é mesmo possível? Há algum movimento para dificultar a criação da Rede?

Acho que a Rede Sustentabilidade preocupa os partidos tracionais, pois não se submete à lógica fisiológica que vem se estabelecendo e procura trilhar novos caminhos, ou novas formas de caminhar como costumo dizer citando o poeta Thiago de Mello.

Esse é um processo de longo prazo, em que as formas de representação da sociedade estarão crescentemente em questionamento frente à velocidade de disseminação das tecnologias digitais. A internet está provocando profundas transformações na forma de nos relacionarmos e de fazermos negócios, por que não mudaria a forma de fazermos política? Esse é um processo mundial, mas antes temos que fazer um realinhamento político no Brasil para superar essa polarização em que os dois partidos da social-democracia se aliam a setores atrasados da velha República para governar. Essa possibilidade não se efetivou na última eleição, mas é cada vez mais necessária. Basta olharmos o que está acontecendo.

Marina será candidata em 2018?

A única coisa que sei é que, como fiz em 2010, não vou ficar na cadeira cativa de candidata. Aliás, se tivesse ficado, não teria visto Eduardo Campos como alternativa mais adequada quando foi negado o registro da Rede.

Como anda a política ambiental no Brasil? Vê diferença entre a atuação do PSDB e do PT nessa área?

A natureza está agora mostrando o tamanho da irresponsabilidade que foi promover o retrocesso na agenda socioambiental e no combate às mudanças climáticas para favorecer setores atrasados da economia e da política. E, se podemos falar de retrocesso no caso do governo federal é porque havia, ao menos, alguns avanços no período anterior. Na maioria dos governos estaduais, incluindo os da oposição, nem isso havia.

As crises ambientais, incluindo a crise hídrica no Sudeste e as enchentes gigantescas no Norte, são mostras de uma mudança planetária. Todo mundo já está informado de que, cada vez mais, extremos climáticos serão frequentes. O Brasil perdeu tempo e a posição de liderança internacional que tinha nesse assunto. Vamos ter de começar de novo e no meio do temporal.
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• O cartum, feito por Lute para a edição de 21.jun.12 do jornal mineiro "Hoje em Dia", voltou a circular recentemente nas redes sociais com o texto modificado que cita Marina Silva. O original opunha "um mundo melhor e mais harmônico" à proposta de "abandonar o modelo de consumismo desenfreado".

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