segunda-feira, 23 de março de 2015

Ganho real fica distante, e sindicatos já reagem

• Demissões e aumento do índice de desemprego atingem negociações

• Com o término das desonerações e a economia mais fraca, indústria projeta acordos sem aumentos

Claudia Rolli – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com a expectativa de a inflação acumulada em 12 meses bater na casa dos 9% no segundo semestre deste ano, o aumento real deve ficar mais distante do bolso do trabalhador. A projeção da inflação foi feita por consultorias e considera o INPC, o indicador mais usado nas negociações salariais.

Sindicatos e centrais já se mobilizam em reação a esse cenário mais desfavorável.

Campanhas de diferentes categorias profissionais estão sendo unificadas, paralisações setoriais estão sendo planejadas, abonos e benefícios podem ser incluídos nos acordos salariais para ajudar a recompor o ganho real.

Não só a inflação mais elevada, mas o aumento de demissões e da taxa de desemprego devem dificultar as negociações entre empresários e trabalhadores.

"O fraco desempenho da economia deve bater mais forte no mercado de trabalho neste ano, sobretudo na indústria e na construção civil, pondo os sindicatos na defensiva", diz o economista Fábio Romão, da consultoria LCA.

No ano passado, o setor industrial perdeu 185 mil vagas com carteira assinada. Neste, deve fechar mais 100 mil a 150 mil vagas, segundo preveem alguns analistas.

"Com aumento de juros e energia, fim da desoneração da folha de pagamento e incertezas na crise hídrica, é bem difícil falar em aumento real", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento de competitividade da Fiesp e representante das indústrias do setor plástico.

Na construção civil, houve redução de 216 mil empregos entre janeiro deste ano e o mesmo mês de 2014.

Em fevereiro, o emprego na construção também sofreu impacto da operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção envolvendo a Petrobras e empresas que prestam serviços à estatal.

Os sindicatos que representam os trabalhadores da construção já discutem como manter direitos e avançar nos benefícios. "Este ano não será fácil para nenhum setor, e na construção não será diferente, com a atual situação do país. Mas não podemos abrir mão de direitos adquiridos", diz Antonio de Sousa Ramalho, que representa a categoria em São Paulo.

Em 2014, os ganhos reais (acima da inflação) superaram os de 2013, de acordo com o resultado de 716 acordos salariais analisados pelo Dieese.

"No ano passado, o desemprego se manteve baixo e havia disputa por mão de obra mais qualificada em alguns segmentos. Isso corroborou para que o rendimento médio real crescesse", diz o economista Fabio Silveira, diretor da consultoria GO Associados. Os rendimentos subiram 3,6% acima da inflação em 2014. A previsão neste ano é ficar ao redor de 1,4%.

A tendência para este ano, dizem os técnicos do Dieese, é haver um maior número de negociações que somente reponham a inflação.

No ramo farmacêutico, os sindicatos já receberam contraproposta dos empresários que prevê a correção dos salários somente com a inflação. São 25 mil empregados em São Paulo que pedem 5% de aumento real.

"Não adianta aprovar em assembleia uma pauta que pede 10%, 20% de aumento real e depois frustrar a categoria com aumento de 1%. As pautas têm de ser realistas e considerar a produtividade de cada segmento", diz Edson Dias Bicalho, secretário-geral da Fequimfar, federação que representa químicos e farmacêuticos.

Estratégias
Uma das alternativas já em discussão na Força Sindical para conseguir "arrancar" reajustes maiores é buscar unificar as campanhas de diferentes categorias e entre centrais sindicais.

"Se a previsão é ter inflação acumulada mais alta no segundo semestre, vamos propor mobilização conjunta entre as categorias com data-base nesse período, como os metalúrgicos", afirma Miguel Torres, que comanda a central.

Comerciários ligados a quatro centrais (CUT, Força, UGT e CTB), que representam cerca de 10 milhões de empregados no país, se reuniram na quinta-feira (19) para definir ações em conjunto para pedir piso salarial unificado e participação nos lucros, além de formas para buscar aumento real.

"O fim da isenção do IPI para produtos da linha branca e automóveis deve trazer impacto nas negociações", diz Nilton Neco, presidente do sindicato dos comerciários em Porto Alegre.

Cerca de 30 mil garis de 130 cidades paulistas ameaçam entrar em greve a partir desta segunda. Segundo a federação da categoria, ligada à UGT, o pedido é de 5% de aumento real. Os empregadores oferecem pagar a inflação.

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