quarta-feira, 25 de março de 2015

Luiz Carlos Azedo - A arte da política

• Dilma menospreza a atividade parlamentar e não tem paciência para lidar com os políticos. Sucumbe a suas próprias idiossincrasias

- Correio Braziliense

Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, foi o segundo presidente da República a chegar ao poder sem passar pelo parlamento. Assumiu-o como vice do Marechal Deodoro, que renunciou ao cargo. Governou com mão peluda, de 1891 a 1894, com uma visão que não se identificava com as forças econômicas da época. Meio bonapartista, queria construir um governo forte, centralizado e nacionalista, que contrariava a “República dos Fazendeiros”, liberal e descentralizada.

Mas o PRP (Partido Republicano Progressista) decidiu apoiá-lo. A elite política de São Paulo via em Floriano a garantia de sobrevivência da República, a partir do poder central. Floriano, por sua vez, percebia que sem o PRP não teria base política para governar. Seu governo enfrentou grande oposição dos conservadores, inclusive das Forças Armadas. Precisou derrotar duas revoltas da Armada, a segunda com apoio da Marinha norte-americana, que desbloqueou a Baía de Guanabara, e a Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, graças ao apoio de Julio de Castilhos, presidente da província e principal ideólogo do positivismo gaúcho. Floriano governou imperialmente, mas passou o poder a Prudente de Moraes, o primeiro presidente eleito.

Como Floriano, outros militares exerceram a Presidência da República sem nenhuma experiência parlamentar: o marechal Castelo Branco e os generais Costa e Silva, Emílio Médice, Ernesto Geisel e João Figueiredo, no regime militar. Getúlio Vargas chegou ao poder como chefe civil da Revolução de 30, um movimento armado, mas era macaco velho da política, com bem sucedida carreira parlamentar. Suicidou-se em 1954, como presidente eleito, para frustrar um golpe militar.

Três artistas
Dilma Rousseff é a primeira presidente civil que chegou ao poder com uma carreira política tecida ao largo do Congresso: primeiro como militante de uma organização guerrilheira, durante a ditadura; depois, como militante política na burocracia gaúcha. Foi nessa condição que caiu nas graças do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao integrar a equipe de transição, o que lhe valeu uma ascensão meteórica no governo federal, como ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil. Ungida candidata a presidente da República num “dedazo”, foi eleita por Lula, com o apoio da militância petista.

Seu padrinho político também teve uma breve passagem pelo Congresso, talvez isso tenha pesado na hora da escolha. Trocou o mandato de deputado federal pelo bem sucedido encargo de candidato a presidente da República, que disputou em 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006, sendo eleito nas duas últimas vezes. Lula, porém, conviveu intensamente com aqueles que chamou de “300 picaretas” durante a Constituinte.

No Palácio do Planalto, entretanto, Lula revelou-se um artista no trato com os políticos da sua base, compensando a pouca experiência parlamentar com o traquejo de dirigente sindical veterano. A presidente da República, porém, não tem nem uma coisa nem outra. Muito pelo contrário, Dilma menospreza a atividade parlamentar e não tem paciência para lidar com os políticos. Sucumbe a suas próprias idiossincrasias. Provavelmente, conhece mais de ciência política do que a maioria dos integrantes do Congresso, mas em política como arte — que é aquela que faz e acontece — a sua avaliação está abaixo da crítica.

Na biblioteca do Palácio da Alvorada há pelo menos dois livros intitulados a Arte da política, a biografia do líder do antigo PSD Ernani do Amaral Peixoto, que conta os bastidores da política da ditadura Vargas à eleição de Tancredo Neves, e o livro de memória do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo relato vai da resistência ao regime militar à passagem da faixa presidencial ao presidente Lula. Um olhar é liberal-conservador; o outro, digamos, social-liberal.

Os dois poderiam ser muito úteis numa crise que está sendo maior do que Dilma e pode resultar em um impasse institucional. A petista amarga o pior momento no governo, conforme as pesquisas, e lida com três políticos profissionais que parece não levar muito a sério: o vice-presidente Michel Temer, que atua como bombeiro quando o circo pega fogo, e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que volta e meia ateiam fogo à lona.

São três raposas felpudas do Congresso, que comandam o PMDB e estão com o destino nas mãos. Ontem, Cunha salvou o governo de uma nova derrota acachapante na Câmara, ao retirar de votação o projeto que estende o aumento do salário mínimo aos aposentados. E Renan voltou a dizer que o ajuste fiscal somente será aprovado se Dilma reduzir para 20 os 39 ministérios e cortar pela metade os cargos comissionados, a maioria ocupado por militantes petistas. Para não ser abduzida pela crise, é melhor Dilma levar esses e outros artistas do Congresso a sério.

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