sexta-feira, 13 de março de 2015

Obituário - Armênio Guedes, aos 96. militante histórico do PCB

• Filiado ao partido por quase 50 anos, o jornalista, que foi secretário de Luís Carlos Prestes, era um incansável defensor da democracia

- O Globo
 
Defensor irredutível da democracia, o jornalista e militante comunista Armênio Guedes era tido como rebelde dentro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por suas divergências com dirigentes da legenda alinhados ao Partido Comunista da União Soviética (PCUS), entre eles Luís Carlos Prestes, de quem fora secretário e chegou a fazer a segurança pessoal, mesmo franzino. Enquanto o Cavaleiro da Esperança agia com rigidez militar, Armênio Guedes era, na opinião do poeta Ferreira Gullar, o "retrato de um cidadão brasileiro do século XX que concebe a ação política como um meio de chegar à sociedade justa, fraterna, igualitária", além de homem "mais flexível, de fala mansa e trato delicado".

Biógrafo de Armênio Guedes, o jornalista Sandro Vaia ressalta que ele, ao longo de quase 50 anos de militância no PCB, "nunca teve um cargo de grande destaque dentro da máquina burocrática do partido". "Sempre foi um catalisador através de suas ideias, não através dos cargos. Quis reformar o partido por dentro e alargar a visão do partido. Nem sempre conseguiu", acrescenta.

Armênio Guedes não admitia posições autoritárias e sempre lutou por uma revisão de métodos dentro da legenda. No Partidão, militou de 1935, ainda na Faculdade de Direito da Bahia, a 1983, tornando-se próximo do grupo de militantes baianos comunistas do qual faziam parte Jorge Amado e Carlos Marighella, entre outros. Só saiu após uma briga com o então secretário-geral Giocondo Dias, depois da expulsão de David Capistrano Filho da legenda.

"Armênio deixou a sala, subiu um andar, pegou seu salário, o último que receberia do partido, e saiu andando até encontrar um cinema. Comprou um bilhete, viu um filme inconfessável e, na saída, era um comunista livre e sem partido, depois de 48 anos de dedicação insubmissa e inquieta militância", diz um trecho de sua biografia.

Um dos principais articuladores da imprensa comunista no Brasil, Armênio Guedes estudou na União Soviética, onde acompanhou a comoção pela morte do ditador Josef Stalin. Camarada André - codinome dele em Moscou - foi rebelde até no curso de marxismo-leninismo, segundo o livro de Vaia, "Armênio Guedes - Sereno guerreiro da liberdade". Na União Soviética, questionava o autoritarismo ao qual os estudantes eram submetidos.

Incomodado com o culto à personalidade em torno de Stalin ("Achava meio chata aquela história de pai dos pobres. Tinha certa antipatia por isso", dizia) e conhecedor das barbáries cometidas pelo ditador, Guedes viveu um período de ostracismo dentro do Partidão após sua volta ao Brasil. ""Cheguei muito malvisto. Aí, fiquei no come-e-dorme do partido vários anos, fazendo revista, alguma coisa de jornal, sempre ligado à imprensa"", lembrou ele em um documentário em sua homenagem produzido pela Câmara Municipal de São Paulo. Da Casa, recebeu, em 2012, o título de cidadão paulistano. Foi na cidade que viveu seus últimos anos.

Junto à esquerda europeia
Após romper com o stalinismo e com a União Soviética, alinhou-se às legendas da esquerda democrática europeia, principalmente ao Partido Comunista Italiano (PCI), de Antonio Gramsci, Palmiro Togliatti e Enrico Berlinguer, sendo chamado no PCB de ""eurocomunista"".

Durante o regime militar brasileiro, opôs-se à luta armada e defendeu uma aliança com o MDB. Exilado, morou no Chile de Salvador Allende e na França (era conhecido em Paris pelo codinome Júlio). Durante o exílio no Chile, perdeu o irmão Célio Guedes, o Celito, assassinado pela ditadura em 1972. Pensou em desistir da política, à época. Sobre a morte do irmão, Armênio Guedes disse a Vaia: "Me mostraram um telegrama de Prestes. Ele me avisava que o motorista de uma missão - não falava o nome de Célio - tinha sido liquidado. Foi um choque tão violento que eu cheguei a ter um começo de pneumonia. Fiquei de cama quase um mês. Nesse período eu balancei... Tive vontade de me afastar de tudo"".

O livro diz que a direção do Partidão já sabia que Célio corria sério risco de ser pego pelos agentes da ditadura, mas não cancelou a missão.

Na França, destino escolhido por ele em 1974, segundo sua biografia, passou a colher informações sobre os crimes cometidos pela ditadura brasileira e se empenhou em divulgá-las.

Na biografia do jornalista Sandro Vaia sobre o militante comunista é destacada uma frase redigida por durante os anos de chumbo no chamado Documento da Guanabara, de 1970: ""O emprego indiscriminado da violência, embora contrapondo objetivamente o quadro da oposição, não deixa, apesar de seu suposto caráter revolucionário, de desservir à resistência e de dificultar a organização de uma frente única de massas contra a ditadura"". Anos depois, Armênio Guedes disse: "O documento foi a melhor coisa que escrevi na minha vida"".

- Desde a infância na Chapada Diamantina, onde cresceu amparado por uma família trabalhadora e idealista, a militância no Partido Comunista dos tempos heroicos, até a descoberta definitiva dos valores universais da liberdade e da democracia, Armênio escreveu uma história de honestidade e honradez - disse o jornalista Sandro Vaia. - Ele se convenceu definitivamente que a grande razão política da vida dele era a de tentar melhorar o mundo sem sacrificar a liberdade.

O senador José Serra (PSDB-SP) conviveu com Armênio Guedes no exílio no Chile, entre 1972 e 1974. Em 2007, qunado era governador, levou o amigo para trabalhar na redação do Diário Oficial do Estado de São Paulo.

- Armênio Guedes sempre acreditou que a democracia era um fim, não só um instrumento de luta. A geração dele (de comunistas), dos anos 1930, lutava por igualdade, solidariedade.

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freira, ressalta a importância reformista de Armênio Guedes:

- Reconhecido por todos que militaram com ele, desde os anos 40, como uma cabeça política privilegiada, é também considerado uma das figuras que mais influenciou na orientação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) durante várias décadas, sobretudo dos anos 60 aos 80, particularmente na elaboração de dois documentos históricos do PCB, a Declaração de Março de 1958 e a Resolução Política do VI Congresso Nacional, em 1967. No primeiro documento, o objetivo do partido passou a ser a conquista de um governo nacionalista e democrático, via processo eleitoral.

Apaixonado por futebol - mais especificamente pelo Botafogo -, Armênio passou a maior parte da vida na clandestinidade. No retorno ao Brasil após o exílio e já fora do PCB, voltou à imprensa. Trabalhou na revista ""IstoÉ"", na ""Gazeta Mercantil"" na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Teve seu primeiro emprego com carteira assinada somente após o fim da ditadura.

Armênio Guedes morreu na madrugada de ontem, em São Paulo, aos 96 anos. Esteve internado por dez dias no Hospital Samaritano, com uma infecção pulmonar. Nascido em Mucugê (BA), na Chapada Diamantina, em uma família de 11 irmãos, "todos comunistas", segundo ele, deixou a viúva Cecília Comegno.

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