terça-feira, 21 de abril de 2015

Celso Ming - As pedaladas e o BC

• Se o crédito dos bancos oficiais ao Tesouro foi irresponsável e criminoso, o Banco Central foi omisso

- O Estado de S. Paulo

A condenação das pedaladas não pode passar sem que o Banco Central (BC) também seja responsabilizado pela parte que lhe cabe.

Se o crédito dos bancos oficiais ao Tesouro foi irresponsável e criminoso, como apontam os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), fica difícil de livrar o Banco Central da acusação de omissão nessas práticas.

Vamos, antes, aos antecedentes. Pedaladas foi como ficaram conhecidas operações do Tesouro com a Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES e Fundo de Garantia. O Tesouro passou a atrasar sistematicamente os pagamentos ao Bolsa Família, ao programa Minha Casa, Minha Vida ou à equalização dos juros no Crédito Rural e exigiu que os bancos públicos se encarregassem dos pagamentos ou suportassem esses passivos. Os atrasos acumulados chegaram a 15 meses ao longo de 2013 e 2014 e ultrapassaram os R$ 40 bilhões.

A manobra foi mais um desses truques utilizados pelo então secretário do Tesouro Arno Augustin para maquilar as estatísticas fiscais. Ao transferir pagamentos de um mês para o outro e agir assim indefinidamente desde 2010, o governo fingiu que cumpria metas das contas públicas, enfeitou as estatísticas e infringiu gravemente a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A proibição de que bancos públicos emprestem recursos para o Tesouro está na origem da Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000. Até então, governadores sacavam fundos dos seus bancos estatais para aumentar artificialmente suas despesas. O governador Orestes Quércia, por exemplo, se vangloriava de ter quebrado o Banespa, mas de ter feito o sucessor. Mais dia menos dia, os calotes sistemáticos acabavam exigindo injeções dos tesouros para capitalizar os bancos e evitar a quebradeira.

O governo federal mobilizou dois ministros, o advogado-geral da União e o procurador-geral do Banco Central para contestar as posições do TCU. Argumentam que essas práticas não constituem operações de crédito, mas prestações de serviços, como se operações de crédito não fossem, elas mesmas, prestações de serviços. Todo o setor financeiro é parte integrante do setor de serviços. Em qualquer banco, o pagamento de qualquer conta de um cliente que não disponha de fundos suficientes se transforma automaticamente numa operação de crédito (cheque especial), sobre a qual incidem juros e as taxas de lei.

Os débitos do governo federal com a Caixa, o Banco do Brasil, o BNDES e o Fundo de Garantia estão lançados como operações ativas dessas instituições. Constituem créditos e sobre eles estão sendo cobrados juros – e não remuneração por serviço prestado. Se a argumentação falaciosa do governo pudesse ser justificada, as pedaladas e a acumulação permanente de passivos estariam admitidas como lícitas e poderiam ser feitas indefinidamente e com qualquer valor.

A omissão do Banco Central tem três dimensões. Primeira, como já mencionado antes, não coibiu graves infrações da Lei de Responsabilidade Fiscal pelos bancos, que está obrigado a supervisionar.

Segunda, foi leniente ao não cobrar as restrições impostas pelas regras de Basileia, que exigem proporção de capital para operações de crédito. Terceira, divulgou estatísticas enganosas nas contas do setor público, que agora precisam ser retificadas, como também advertiu o relatório do Tribunal de Contas.

A convocação do presidente Alexandre Tombini pelo TCU para dar explicações reforça, por si só, o comportamento irregular do Banco Central.

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