quinta-feira, 16 de abril de 2015

Cora Rónai - Sobre as manifestações

• Desqualificar os protestos não muda o fato de que não são só os bolsonaros que estão cheios do governo

- O Globo

Mal terminaram as manifestações de domingo, e as redes sociais já estavam cheias de postagens da militância governista, reproduzindo com perversa alegria os seus piores momentos: uma senhora covardemente agredida em Copacabana porque ousou perguntar aos manifestantes se sabiam quem governaria o país se Dilma fosse afastada, um fotógrafo mineiro apanhando apenas porque se parece com o ex-presidente Lula, analfabetos funcionais pedindo intervenção militar em mau português e pior inglês, como se este absurdo não fosse suficiente numa só língua.

Infelizmente, os protestos contra o governo têm mesmo reunido uma turma indigesta. Mas, ao contrário do que se esforçam em fazer crer os posts que atacam as manifestações, essa turma está longe de ser representativa da maioria dos brasileiros e brasileiras que têm ido às ruas. Desqualificar o descontentamento da população apontando para os piores boçais pode até servir de consolo para os petistas, mas não muda o fato de que não são só os bolsonaros da vida que estão cheios do governo.

Dito isso, é triste constatar como o Brasil anda mal frequentado. Em todos os cantos e por toda a parte, a começar naturalmente pela Esplanada dos Três Poderes.

Os idiotas e desmemoriados que pedem intervenção militar estão contaminando as passeatas. Assim como os black blocks nas manifestações de junho de 2013, que também eram minoria, eles comprometem o todo, e podem afastar — se é que já não estão afastando — as pessoas que estão descontentes, gostariam de se fazer ouvir, mas não querem compactuar com essa sandice.

“Esquerda” e “direita” são conceitos maniqueístas ultrapassados. Ainda são utilizados porque não interessa aos fundamentalistas de um e de outro lado perceber a imensa gama de posições políticas que existe entre os dois extremos. Aos dois lados, que são muito mais parecidos do que diferentes, interessa dividir o país e semear o ódio.

O PT, por estar no poder, tem mais culpa pela polarização do que qualquer outro partido. Cabe aos vencedores estender a mão aos vencidos, e não o contrário. Se Dilma Rousseff fosse minimamente dotada para o cargo, teria feito um belo discurso de conciliação nacional ao tomar posse, ao invés de ignorar por completo a oposição; se Lula estivesse minimamente preocupado com os rumos do país, falaria para todos e em todos, e não em “nós” e “eles”. Estadistas que cuidam de um país, ao contrário de oportunistas que cuidam de um partido, se dirigem a todos os cidadãos, indistintamente. Cultivam a união, e não a cizânia.

O que esperam os luminares do PT ao bater nessa tecla? Acham que não enfrentarão reação alguma? Acham que as pessoas que não votaram em Dilma vão cobrir a cabeça de cinzas e aceitar, humildemente, as incontáveis ofensas que lhes são dirigidas pelo establishment?

Não se iludam. A cada ação corresponde uma reação igual e contrária. Quando Lula ameaça convocar o “exército do Stédile”, os defensores da intervenção militar correm a pintar suas faixas e a telefonar para os generais; quando Dilma participa de atos do MST, os outros imbecis também perdem a modéstia.

Nas redes sociais, na mídia e por toda a parte as pessoas se perguntam por que houve menos gente nas ruas no domingo passado do que no dia 15 de março, uma vez que os índices de rejeição ao governo continuam iguais, se não maiores. Como todo mundo, eu também tenho as minhas teorias.

Para começo de conversa, acho que as duas datas foram muito próximas: para quem ainda tem quatro anos de Dilma pela frente, fazer uma passeata por mês é desgastante e, convenhamos, um tanto inútil. A manifestação do dia 15 de março foi importante para mostrar ao governo o grau de insatisfação que sentimos; mas o governo sabe, e nós sabemos que ele sabe, que esse sentimento não mudou de lá para cá. É possível que, uma vez dado o recado, não seja necessário repeti-lo com tanta frequência.

No caso específico do Rio, a Atlântica não é uma boa avenida para protestos. Há lugares que representam o coração das cidades, onde todos os moradores têm uma sensação de pertencimento igual; mas a Atlântica não é um deles. Ela é Zona Sul demais, elite demais. O Centro sempre foi o ponto nevrálgico do Rio, o bairro para onde todas as tribos e classes sociais convergem nas grandes manifestações de cidadania.

Finalmente, acho que, como as manifestações de 2013, as deste ano também carecem de foco. Isso ficou claro nos cartazes exibidos, que tinham de tudo, de reclamações contra a infame tomada de três pinos a declarações perigosamente reacionárias.

Ora, ninguém consegue ficar protestando contra “tudo isso que está aí” indefinidamente. As primeiríssimas manifestações, tanto aquela de junho quanto essa de março, serviram para tirar o grito que estava entalado na nossa garganta coletiva. Dado o berro inicial e libertador, porém, é preciso uma pauta mais concreta. Faltam palavras de ordem. Mesmo o “Fora Dilma!”, tão repetido, não é suficientemente representativo, nem tem a força da unanimidade do antigo “Fora Collor!”

A militância petista insiste em dizer que as manifestações têm alma de golpe, que os pedidos de impeachment da Dilma são golpe, que a oposição é movida a golpe. Veem golpe em toda a parte. Só não perceberam o golpe que foi dado debaixo do seu nariz. Elegeram o PT, mas agora estamos, oficialmente, nas mãos do PMDB.

Pensando bem, quando é a próxima manifestação?

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