sábado, 4 de abril de 2015

Merval Pereira - Mudança de cultura

- O Globo

Com o objetivo de "promover uma reestruturação" da indústria de construção pesada no país" "e da sua relação com o Estado e partidos políticos", o economista Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, está distribuindo um trabalho que propõe uma agenda de reformas "mais além da estória de “temos que salvar as empresas”.

Por entender que o futuro da indústria da construção pesada está em risco, por força da operação Lava Jato, da crise da Petrobrás e do enorme dano à reputação da indústria e das empresas, o documento "A Crise na Indústria de Construção: um Chamado à Ação Coletiva" ressalta que para “salvar as empresas” é preciso não esquecer "que o ocorrido é fruto de uma cultura política e empresarial, e um sistema de trocas. O desafio é mudar essa cultura e a maneira como o sistema político funciona no país".

Para Frischtak, é essencial "transparência absoluta nos contratos que regem as transferências de recursos públicos; e uma nova governança dos investimentos, para garantir que esses sejam consistentes com o interesse público – em termos de benefícios e custos ao longo dos anos".

Segundo o estudo, a indústria de construção está no epicentro mundial da luta contra a corrupção. Citando a Transparência Internacional, o estudo mostra que a indústria apresenta os piores índices de corrupção dentre os setores econômicos, seja pela relação simbiótica com o Estado e os agentes públicos; seja pelos montantes de recursos envolvidos e complexidade dos projetos; seja ainda pela ausência de controles, e uma cultura que permeia as empresas e seus funcionários.

O problema não é especifico ao Brasil, ressalta o economista, ainda que destaque que houve "uma exacerbação em anos recentes no país", com o aumento da corrupção coincidindo com o superciclo político – a longa presença de coalizões bem sucedidas no poder – inclusive pela maior capacidade de resposta dos governos à demanda reprimida por infraestrutura. "E os recursos alocados acabaram por irrigar os partidos que sustentaram as coalizões".

Dois princípios devem orientar a ação da indústria – e do próprio Estado - de modo a atender ao interesse público, segundo o estudo: Transparência e boa governança. Transparência na relação da indústria com a sociedade e o poder público, e inversamente, deste último com a indústria.

Por Transparência, explica Claudio Frischtak, se entende o compromisso de que sejam abertos ao escrutínio da sociedade os termos de todas as transações entre empresas e o setor público – com exceção daquelas cobertas legitimamente por cláusulas de sigilo.

Os termos de participação de recursos públicos em concessões e outros empreendimentos, seja sob a forma de investimento direto (equity), dívida ou outro instrumento, e atualmente inacessíveis por estarem “trancados” em Sociedades de Propósito Específico (SPEs) e outros veículos fechados, devem ser revelados, ficando estes veículos sujeitos à fiscalização tanto da sociedade quanto dos órgãos de Estado.

Outro ponto fundamental é a boa governança, dos investimentos públicos ou financiados com recursos públicos, dado o imperativo de melhorar a sua qualidade e o impacto sobre o bem-estar da população.

O compromisso com a boa governança necessita ser assumido não apenas pelo setor privado, mas igualmente pelo setor público, ressalta o estudo, garantindo que, no âmbito estratégico, se traduza "no planejamento dos investimentos e na alocação de recursos consistentes com os objetivos de prover serviços de qualidade à população e uma infraestrutura competitiva ao setor produtivo".

No plano tático, "garanta que nenhuma obra tenha inicio sem passar pelo crivo de critérios aceitos internacionalmente de análises de factibilidade econômico-financeira, com base em um conjunto de projetos - do conceitual ao detalhamento executivo – que assegurem o seu financiamento em bases competitivas, e em contraposição ao que hoje frequentemente ocorre".

Essas análises devem passar pelo filtro do financiamento privado, e estar abertas ao escrutínio da sociedade. Finalmente, na dimensão operacional, a boa governança dos investimentos deve assegurar "que a obra seja executada de acordo com os padrões técnicos mais elevados, minimizando custos ao longo do ciclo de vida do equipamento ou ativo de infraestrutura".

São esses princípios que irão servir de base para um modelo de convivência – e reencontro - da indústria com a sociedade e os órgãos de Estado. Como colocar esses princípios em prática? A reformulação da Lei 8.666, assim como o novo Regime Diferenciado de Contratações (RDC), atualmente em discussão no Senado, é uma oportunidade para fazer com que os princípios de transparência e da boa governança sirvam de referência à nova legislação. (Amanhã, os novos pilares)

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