sábado, 4 de abril de 2015

Miriam Leitão - Águas de abril

- O Globo

Uma autoridade da área de energia levou à presidente Dilma, meses atrás, o alerta que ouvira dos técnicos do setor que dirige: seria necessário fazer racionamento de energia. Dilma respondeu que só pensaria nisso em abril, ao fim do regime chuvoso. Abril chegou com menos água nos reservatórios que no ano do apagão. Eles estão no nível mais baixo dos últimos 15 anos.

O gráfico ilustra a situação atual. Em abril, chove bem menos. Em maio, começa o período seco, que irá até outubro ou novembro. Chegamos a esse ponto por falta de planejamento. Em 2013, quando caiu o preço da energia, já estava claro, em análise plurianual, que seria preciso começar a poupar água. No começo de 2014, ficou evidente que era necessário racionar energia, mas a campanha eleitoral não deixou que a presidente Dilma fosse previdente.

O nível de água dos reservatórios fechou o mês de março em 28%. Isso é um patamar menor do que o de 2001, quando houve o apagão. Agora há as termelétricas, sistema pensado naquele ano, como garantia para momentos de escassez hídrica. Mesmo assim, elas trabalhando no máximo não foram suficientes para elevar a patamar tranquilizador o nível de água.

O país está estagnado, e as tarifas subiram num percentual que alarmou o consumidor. Isso está reduzindo o consumo. O governo acha que a estagnação nos livrará do racionamento. O problema é que o país precisa fazer o ajuste fiscal para retomar o crescimento mais adiante. Mas, se não houver água suficiente, o gargalo elétrico impedirá a recuperação do PIB.

O ONS divide o país em quatro regiões de armazenamento de água para as hidrelétricas. A principal é a Sudeste/Centro-Oeste, que tem capacidade instalada de 205 GW, ou 70% do total do parque hidrelétrico. No último dia de março, estava com 28,54%.

A segunda mais importante é a Nordeste, com capacidade instalada de 51 GW, ou 18% do total. O nível de água está mais baixo ainda, 23,53%. No Sul, com parque de 20 GW, o nível é 39,3%. A menor região, a Norte, com parque de 15 GW, é a que está em melhor situação, com 61%. Mas sozinha ela não suporta a demanda.

O gestor prudente já teria começado há muito tempo as campanhas de racionalização de energia. O governo começou agora uma tímida iniciativa. Mas o quadro atual exige medidas drásticas, planejamento corajoso, para garantir carga elétrica para a retomada.

Estamos correndo o risco de fazer um enorme esforço fiscal este ano e ficar sem energia nos próximos anos, quando o país pode estar novamente na rota do crescimento. O ajuste será doloroso, mas terá um custo ainda maior se, depois de feito, não entregar o que promete, que é o país voltar a crescer.

As decisões da condução dessa crise são unicamente políticas. Depois de passar as últimas três campanhas presidenciais acusando o partido adversário de ter provocado apagão, Dilma não quer nem ouvir falar na palavra racionamento. Ela teme que sua popularidade - que já despencou - afunde ainda mais.

O governo faz a conta sobre se o nível atual dos reservatórios consegue manter as usinas em funcionamento durante o período seco. Como o país está em recessão, talvez dê, porque haverá menos fábricas funcionando, menos atividade econômica, e o consumo residencial cairá porque o consumidor, assustado com a conta de luz que subiu muito, tomará medidas para reduzir seu gasto. A recessão pode resolver, da pior forma, o risco de 2015. O problema é que teremos que esperar a sorte de um verão chuvoso em 2016.

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