sábado, 18 de abril de 2015

Miriam Leitão - O ciclo mudou

- O Globo

Os desafios ao crescimento este ano vão além do consumo menor e das incertezas que travam os investimentos. O nosso comércio exterior está mais fraco. As exportações despencaram com a queda dos preços das matérias-primas. As importações recuaram, e a corrente de comércio ficou menor. O saldo está negativo em US$ 5,4 bilhões. O preço do minério de ferro caiu pela metade.

Se um país não tem mais força para crescer pelo consumo — seja do governo, seja das famílias — e os investimentos estão travados, a opção que sobra é ser puxado pelas vendas ao exterior. Mas este ano está acontecendo o contrário do que o país precisa: as exportações caíram 17% de janeiro até a segunda semana de abril, na comparação com o mesmo período de 2014. Foram US$ 47,8 bilhões exportados contra US$ 58,1 bilhões no ano passado. Ou seja, menos US$ 10,3 bilhões deixaram de entrar no país nos primeiros meses de 2015. Se esse valor fosse convertido pelo dólar da cotação de ontem, só para efeito de comparação, significaria uma perda de R$ 31 bilhões.

Depois de muitos anos subindo, os preços das matérias-primas estão em ciclo de queda. É o fim do boom das commodities. Isso tem influência da desaceleração da economia chinesa, que no primeiro trimestre de 2015 teve a segunda menor alta do PIB neste século. A redução dos estímulos à economia pelo Banco Central americano também ajuda a desinflar essa alta dos preços. Quando o dólar se valoriza, o valor das matérias-primas, em geral, entra em período de baixa no mercado internacional. É o caso agora.

Alguns produtos estão sentindo mais o efeito de todas essas mudanças no cenário externo. O minério de ferro, por exemplo, que é nosso principal item da pauta de exportação, foi negociado no primeiro trimestre do ano passado a US$ 98 a tonelada. Já nos três primeiros meses deste ano, foi vendido por US$ 50, segundo o Ministério do Desenvolvimento. Caiu praticamente à metade. A soja perdeu 21% do valor. Com isso, a receita com minério de ferro caiu de US$ 7 bilhões para US$ 3,8 bi, mesmo com aumento de 10% do volume exportado, e a receita de soja caiu de US$ 4,5 bilhões para US$ 2,5 bilhões até março.

Os preços de várias outras matérias-primas também recuaram. Na lista dos nossos 10 principais produtos, tiveram queda de preço este ano: açúcar (-9,8%); carne de frango (-8,5%), celulose (-12,4%); carne de boi (-2,8%) e milho (-5,7%). A exceção foi o café, que se valorizou 33% e gerou uma receita maior de 40%.

A China é nosso maior parceiro, e a redução do seu ritmo de crescimento já pode ser constatada nos números do comércio. Nossas exportações para lá caíram 35% no primeiro trimestre, de US$ 9,5 bi para US$ 6,1 bilhões. Para os chineses, a receita com exportação de minério de ferro caiu 55%, e a de soja, 46%.

A alta do dólar melhora a competitividade da indústria brasileira. Mas a volatilidade da moeda provoca insegurança nos exportadores. Eles preferem adiar as vendas na tentativa de ganhar mais. Depois de bater em R$ 3,29 este ano, a moeda americana já recuou para próximo de R$ 3,00. A que preço os exportadores vão fechar seus contratos? Outro problema é que nossos produtos industriais são vendidos principalmente para a América Latina, e eles também estão sentindo os efeitos da redução de valor das matérias-primas.

A balança comercial como um todo está mais fraca. As importações caíram de US$ 64,1 bilhões para US$ 53,2 bilhões, um tombo de 17%, e a corrente de comércio despencou 17,3%, de US$ 122,2 bilhões para US$ 101 bi. No saldo, estamos com déficit acumulado de US$ 5,4 bilhões de janeiro até a segunda semana de abril.

Vários economistas disseram que o país estava aumentando sua dependência de produtos primários e em relação à China. Nada há de errado com as commodities, mas concentrar demais as exportações em poucos produtos e poucos mercados aumenta a vulnerabilidade do país. Já se sabia que o ciclo de alta das commodities não duraria para sempre. Como tem acontecido, os avisos foram ignorados. Durante a época de abundância, o governo preferiu não dar ouvidos aos que alertavam sobre o período de escassez

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