quarta-feira, 22 de abril de 2015

Míriam Leitão - O primeiro passo

- O Globo

Tomara que hoje marque o começo de um novo tempo para a Petrobras. A análise pelo conselho e a divulgação do balanço auditado da empresa vão resolver apenas um dos vários problemas da estatal, mas se esse risco não fosse retirado da frente outras ameaças poderiam se concretizar, como a ant
ecipação da cobrança de dívidas. Ainda há muitos obstáculos a ser em resolvidos antes da normalização.

A confusão contábil começou em novembro, quando a PricewaterhouseCoopers (PwC) não quis assinar o balanço do terceiro trimestre, diante das avassaladoras notícias da operação Lava-Jato. De lá para cá, a situação se agravou: foi divulgado um balanço com um valor astronômico de perdas; a empresa perdeu o grau de investimento por uma das três maiores agências de risco; sua direção foi mudada; o conselho, alterado; investidores iniciaram ações contra a companhia no exterior; novas denúncias surgiram. Nem tudo foi corrupção. Os erros na Petrobras, como vem mostrando a série de reportagens de José Casado, Ramona Ordoñez e Bruno Rosa , são também de uma brutal má administração . A empresa ocultou dos órgãos de fiscalização do Brasil e do exterior o valor real das despesas com o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O TCU constatou isso com dados da própria estatal. Isso é grave e pode trazer consequências para a empresa.

Equipamentos comprados em regime de urgência estão abandonados desde 2012 porque a companhia, após a compra, mudou a matéria-prima a ser utilizada no complexo petroquímico, de nafta para gás natural. Como é possível esse grau de improvisação e desleixo com uma empresa pública? Haverá uma batalha interna. Para organizar todas as contas, aumentar a transparência, assumir todas as falhas. A divulgação do balanço com alguma quantificação do custo da corrupção para a empresa ser á o primeiro passo para essa re arrumação, e por isso é comemorado no mercado com a alta das ações em abril. Haverá batalhas externas diante dos tribunais. São várias ações de fundos de pensão de governos, investidores institucionais, que acusam a empresa e seus dirigentes pelas perdas que tiveram que amargar em seus ativos . Quando tudo isso passar, será a hora da batalha pela recuperação da credibilidade e da reconquista da confiança do investidor .

Mesmo sendo divulgado o balanço, e ele passando pelo crivo dos analistas e dos órgãos fiscalizadores do mercado de capitais, há outros problemas para a Petrobras. Os números de produção não estão crescendo como a empresa disse que iria crescer este ano. Regras regulatórias, como ter que participar com 30% em cada campo do pré- sal e a obrigatoriedade de contratação mínima de conteúdo nacional, são difíceis de serem cumpridas. Isso não tem relação com a Lava-Jato, mas dificulta a vida da esta tal. A produção, na margem, caiu em janeiro, fevereiro e março. Quanto às regras, a empresa fica dependendo de mudanças no marco regulatório. Hoje é muito difícil para ela o cumprimento desse percentual, e por isso a ANP tem adiado novos leilões.

O balanço auditado vira uma página importante, porque sem isso ela corria o risco de ter a antecipação de dívida e poderia também perder o grau de investimento por outras agências de risco. Ela perdeu pela Moody" s, mas se mantém no último degrau pela S&P e pela Fitch. Ela vai ter que anunciar dois números, um é do impairment, que toda empresa de commodities tem que anunciar no final de cada ano, com um ajuste nos seus ativos em função do preço do produto. A Petrobras terá que dizer, entre outros dados, quais são os campos que ela considera for a da viabilidade econômica com a redução do preço do petróleo.

O outro número é o quanto ela vai dar de baixa com a corrupção. Os empréstimos que ela fez agora, na visão de alguns analistas , não vão alterar o seu endividamento no curto prazo porque o mercado olhará para a dívida líquida. No primeiro momento, ela mantém o dinheiro. A dívida só vai crescer quando o recurso for usado. Então, por ora, não muda nada. Um dos empréstimos é da China, em condições ainda desconhecidas. Outro é majoritariamente de bancos estatais. O mais importante agora é a arrumação da casa. O balanço não resolverá todos os problemas, é apenas a saída da empresa do limbo contábil em que esteve nos últimos cinco meses. Mas é o primeiro passo.

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