quinta-feira, 2 de abril de 2015

Míriam Leitão - Outro lado do ajuste

- O Globo

A deterioração das contas públicas ficou mais uma vez evidente com a Nota de Política Fiscal divulgada pelo Banco Central. A dívida bruta subiu de novo em fevereiro, o déficit nominal passou de 7% do PIB e houve outro mês de déficit primário. Os empresários acham que o governo precisa cortar mais nos gastos de custeio, ao invés de elevar o peso dos impostos. A indústria afundou 7,1% no primeiro bimestre.

Uma empresa que fabrica implementos rodoviários conta que os juros cobrados pelo BNDES subiram, e o banco financia até 70% das vendas do setor. A alta da gasolina e do diesel, com a volta da Cide, tirou rentabilidade e reduziu encomendas. Outra companhia, de materiais de construção, diz que a volta do imposto sobre a folha de pagamento provocou aumento de custo estimado em R$ 6 milhões por ano. O aumento do dólar encareceu o plástico. Os ajustes estão chegando ao chão das fábricas e tirando competitividade da indústria.

Há seis meses a coluna conversou com executivos da Astra, que fabrica materiais de construção, e da Librelato, que produz implementos rodoviários. Em nova entrevista, os empresários das duas companhias dizem que o cenário continua incerto, que a crise política tem abalado a confiança, mas que o ajuste fiscal é necessário porque melhora o horizonte no longo prazo. Eles acreditam, no entanto, que o governo precisa aumentar a sua cota de sacrifício, porque algumas medidas anunciadas vão agravar ainda mais a crise industrial.

Na Librelato, o presidente José Carlos Sprícigo afirmou que a semana continua tendo apenas quatro dias de trabalho. Houve redução de um dia útil para que os estoques não ficassem ainda mais elevados. Eles correspondem a 60 dias de produção, quando o normal são 10 dias. A ociosidade do parque produtivo é de 25%; uma em cada quatro máquinas está parada. O quadro de funcionários foi reduzido em 20% no ano passado e ainda não há expectativa de contratações:

- Meu setor tem dependência forte do BNDES, e o aumento de juros do Finame teve impacto grande. A taxa subiu de 6% para 10%, e o total que pode ser financiado caiu de 90% para 50% em algumas linhas, e de 100% para 70%, em outras. O banco representa de 60% a 70% do financiamento das vendas. Ainda assim, quero acreditar que o pior na economia já passou e vamos melhorar lentamente daqui para frente.

O diretor do grupo Astra Manoel Flores explica que a alta do dólar encareceu o preço do plástico em 10% em março, e ele espera um novo reajuste de 10% em abril. Nos dois primeiros meses do ano, o volume de vendas foi 8% menor que no mesmo período do ano passado. A reviravolta na cobrança de impostos da Folha de Pagamentos, uma das medidas anunciadas pela nova equipe econômica, pode aumentar os custos em R$ 6 milhões por ano:

- Tenho feito apenas contratações essenciais. Fechando a porta de entrada, já reduzi meu quadro de funcionário em 200 pessoas. São trabalhadores qualificados que perdi. Como vou voltar a contratar, se uma regra criada pelo governo há pouco tempo já foi revertida pelo mesmo governo e vai aumentar meus custos em R$ 500 mil por mês?

Os exemplos mostram por que o índice de confiança da indústria, medido pela Fundação Getúlio Vargas, teve uma queda de 9,2% entre fevereiro e março. Foi a maior redução mensal desde novembro de 2008, logo após o início da crise financeira internacional. A queda foi disseminada em todos os 14 segmentos acompanhados e em todas as categorias de uso. Houve piora tanto na avaliação do momento presente quanto nas expectativas para o futuro.

Ao participar de evento em São Paulo, o ministro Joaquim Levy ouviu perguntas para as quais não tem resposta. Os empresários quiseram saber por que o governo não reduz o alto número de ministérios. Como pedir a empresas e contribuintes que paguem mais impostos se o governo não dá o exemplo de reduzir o seu tamanho? Levy deu uma resposta evasiva, para não entrar em atrito com a presidente Dilma.

O ajuste fiscal é urgente, mas uma coisa não se pode perder de vista: é preciso colocar as contas públicas em ordem diminuindo gastos não essenciais em todos os níveis de governo. Uma administração que tem 39 ministérios, e não reduziu o número de funcionários em cargos comissionados, fica sem argumento para pedir que empresas e famílias cortem no seu orçamento.

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