domingo, 17 de maio de 2015

A circunstância...

• ...do homem Luiz Fachin na sabatina do Senado, na semana passada, foi diferente das que formaram suas convicções radicais. Ele parecia candidato a uma vaga não no Supremo, mas na Santíssima Trindade.

Adriano Ceolin – Revista Veja

"Subscrevi, em determinados momentos, manifestos, textos e artigos na área da terra, da família e do Judiciário. Fui duro e intenso, especialmente na questão fundiária, somos sempre nós e a nossa circunstância." Na essência, essa declaração de Luiz Edson Fachin resume bem as doze horas de seu depoimento, na terça-feira passada, perante a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Atenção para a última frase. Ela é mais uma das incontáveis e incompletas adaptações da afirmação de José Ortega y Gasset, filósofo que, na primeira metade do século passado, viu as circunstâncias de sua Espanha natal mudar radicalmente de monarquia para república e desta para ditadura. "To soy yo y mi circunstancia y si no la salvo a ella no me salvo yo. "

Como sempre se faz, Fachin, na CCJ, usou apenas a primeira parte da frase, uma saída clássica para justificar súbitas e surpreendentes mudanças de posição sobre questões relevantes. A segunda parte da frase é muito mais reveladora da condição humana. O que o filósofo quis dizer é simplesmente que, diante de um momento crucial que requer uma solução, a pessoa deve dá-la, pois, só assim, salvando a situação, ela também se salvará. Em bom português, "na hora, vire-se como for possível, salve a própria pele". Dá para entender por que essa segunda parte da frase de Ortega y Gasset nunca é citada. Salvar-se a qualquer custo de uma circunstância adversa não enobrece a pessoa.

O indicado de Dilma Rousseff se salvou na CCJ com 20 votos a favor e 7 contra. Tendo menosprezado em diversas ocasiões o direito à propriedade, diante dos senadores na CCJ disse: "Está assentado no texto constitucional o direito de propriedade como fundamental. Eis, portanto, limite à atuação do juiz: a letra imperativa da Constituição". Tendo militado em favor da presidente que o indicou e de seu partido, o PT, disse que, se chegar ao STF, não terá dificuldade "em julgar qualquer partido político". Salvou-se de suas incursões acadêmicas em temas ligados à poligamia, ao dizer que defende "a estrutura da família com seus princípios fundamentais". Só não escapou mesmo quando tentou responder se era "progressista". Nem podia, pois o termo no Brasil, adulterado em sua essência, é usado como sinônimo de "esquerdista". Fachin disse que se alinha com "as pessoas que querem o progresso do país (...) mas preservando interesses privados". Nesse ponto falou o Fachin de circunstâncias anteriores, para quem os "interesses privados" (sendo o mais fundamental deles o direito à propriedade) são obstáculos ao progresso do Brasil. Espera-se que, se aprovado em plenário, ele como magistrado faça o que prometeu: "(...) tomar decisões, ter estatura acima de minhas eventuais convicções".

Nesta terça-feira, 19, Fachin precisa ser aprovado pelo voto de, no mínimo, 41 dos 81 senadores. A circunstância do doutor, então, será menos filosófica. Uma questão levantada pelo gabinete do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que deixou de ser levada à CCJ por falta de tempo, merecerá a atenção do plenário. Ferraço argumenta que Fachin descumpriu a lei que rege o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, pois, em 15 de dezembro de 2011, foi ao STF defender como advogado os interesses do Paraguai contra a União. Como professor da Universidade Federal do Paraná, portanto um servidor federal, Fachin não poderia advogar para outro país contra o seu próprio, o Brasil.

O artigo 117 da Lei n- 8112/1990 proíbe servidor federal de "aceitar comissão, emprego ou pensão de Estado estrangeiro". Fachin representou o governo paraguaio em uma reclamação da hidrelétrica Itaipu Binacional — cujo comando é dividido entre Brasil e Paraguai — contra a Justiça Federal do Paraná. A companhia agiu para que quatro ações civis públicas contra ela deixassem de tramitar na Justiça do Paraná e passassem a tramitar no STF. Fachin fez uma sustentação oral na Suprema Corte, saiu-se vitorioso e foi até cumprimentado pelo diretor-geral de Itaipu, Jorge Samek, como registra o boletim informativo da empresa:

"O diretor-geral brasileiro, Jorge Samek, associou-se na manifestação de satisfação, felicitando o advogado da República do Paraguai". Fachin e Samek são amigos, relação que também não foi esmiuçada na sabatina da CCJ, mas que poderia explicar por que o postulante à vaga no STF nunca disputou uma licitação para advogar para Itaipu.

A Carta ao Leitor desta edição de VEJA registra que a "CCJ cumpriu seu dever" e lembra que a responsabilidade pela aprovação de Fachin recai sobre o plenário, onde os senadores terão uma ótima ocasião para saber se a leveza de alma com que ele abjurou de suas crenças perante a CCJ denota pragmatismo, o que é aceitável, ou oportunismo, o que é detestável. A advocacia para um país estrangeiro é um item a mais de interesse para o plenário.

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