sexta-feira, 22 de maio de 2015

Fernando Gabeira - Para onde vai esse trem?

- O Estado de S. Paulo

Num texto endereçado a cineastas, Chris Marker citou uma frase de De Gaulle: às vezes os militares, exagerando a impotência relativa da inteligência, descuidam de se servir dela. Marker defendia filmes inteligentes contra o populismo de alguns pares. Creio que De Gaulle criticava a superestimação da força armada. Algo que ficou célebre na pergunta atribuída a Stalin: quantas divisões tem o papa?

A oposição brasileiro tem se descuidado de usar a inteligência não por valorizar a força armada, mas as possibilidades eleitorais. Quantos votos nos dará esse projeto? Foi assim com a derrubada do fator previdenciário. Nada mais agradável do que votar pelos aposentados e ao mesmo tempo ganhar um bom número de votos.

Norberto Bobbio dava muita importância à questão da aposentadoria e a considerava um elemento divisor entre os conceitos de esquerda e direita. Não vejo assim no Brasil. A ideia de um sistema que garanta aposentadoria digna é universal no espectro político.

As coisas se complicam quando se discute a sustentabilidade do sistema. Tensioná-lo com mais gastos num momento de crise aguda acaba despertando propostas como a de Joaquim Levy: aumentos de impostos. Um projeto político no capitalismo não implica apenas respeito às normas democráticas. Implica também a admissão das próprias leis do capitalismo. Se nos levamos apenas pelo coração, faremos muitas bondades até que chegue o momento de pagar a conta. Os deputados jogaram essa conta para o governo, que, por sua vez, a transfere, via impostos, para a sociedade.

Quando Levy fala em ajustar a economia e, simultaneamente, em aumentar impostos a partir das bondades parlamentares, suas tesouras são apenas um passatempo como agulhas de crochê.

As tesouras de Levy refletem o mesmo conflito de ideais socialistas com as leis do capitalismo. E a oposição tem de se manifestar claramente sobre isso: é um modelo de crescimento que faliu.

Derrotá-lo não significa usar os mesmos métodos populistas, certamente com grandes dividendos eleitorais. Derrotá-lo é propor um novo caminho.

O caso das pensões e dos salários de pescadores, embora tenha distorções, no meu entender, merecia rejeição, ao menos para negociar.

Como começar um ajuste fiscal sem conhecer os cortes do governo? Este é o tema mais importante no ajuste. É nele que uma visão de oposição tende a se fixar: a racionalização da máquina, a redução de inúmeros e inúteis cargos de confiança.

Minhas críticas são feitas de fora, o trabalho na estrada não permite conhecer todos os dados.
Mas a oposição precisa mostrar uma certa coerência com o próprio programa. O problema de votar, em alguns momentos, com o governo também é eleitoral: medo de desapontar o eleitorado que rejeita Dilma e o PT.

Mas é preciso dividir as esferas de atuação: um programa claro sobre o ajuste econômico e um trabalho sério sobre a corrupção, reconstruir e punir. A responsabilidade pela devastação da Petrobrás, a gestão temerária, o escândalo do desvio de bilhões é um fato histórico ainda em movimento, pois a Justiça não se manifestou sobre ele.

Nesse contexto, um fervoroso eleitor de Dilma é indicado para ministro do Supremo. Os principais nomes da oposição faltaram à sabatina. Era preciso fazer perguntas, descortinar a visão política de Luiz Edson Fachin e apresentar uma interpretação de seu discurso.

Não posso dizer que a culpa seja de Fernando Henrique Cardoso. Cada um avalia as prioridades, organiza a agenda, é uma escolha política: a homenagem a Fernando Henrique em Nova York ou a sabatina de candidato ao Supremo no Brasil. O resultado é que não foi dada toda a atenção à hipótese de o governo aparelhar o Supremo e bloquear as conquistas da Operação Lava Jato.

Estou, talvez, reduzindo a escolha de um juiz a um fato conjuntural. Mas o escândalo da Petrobrás é mais que isso, é o espaço em que se vai jogar o que mais interessa às pessoas que foram às ruas: avançar na luta contra a corrupção.

Vivemos um momento em que nem governo nem oposição se movem de forma articulada, com ideias claras e compartilhadas sobre sua trajetória. Vivi outros momentos assim, mas muito rápidos. Usávamos uma expressão para descrevê-los: a vaca não reconhece seus bezerros.

Num texto para homenagear Robert Frost, John F. Kennedy escreveu: a poesia é o meio de salvar o poder de si próprio. Sem menosprezar a poesia, tenho uma expectativa mais pedestre: só as pessoas, com suas dificuldades cotidianas, sonhos e frustrações e pequenas conquistas, podem salvar o poder de sua degradação. Nenhuma força política parece preocupada em responder a essa expectativa com um projeto coerente, verificável nos movimentos cotidianos.

O Congresso parece desgovernado. Vota, simultaneamente, medidas de contenção e de mais gastos. Os repórteres estão sempre fazendo contas para verificar se estamos economizando ou gastando mais.

Era esperado um choque de posições no debate do ajuste; os setores atingidos procuram se defender: não há nenhuma previsibilidade de mudanças no tamanho da máquina nem o tipo de País que vai surgir desse debate. Vendo as universidades federais fluminenses em ruína antes mesmo da aplicação dos cortes, é razoável duvidar da retomada do crescimento com um simples ajuste fiscal. Tudo o que não funciona nos serviços públicos vai ganhar com os cortes uma poderosa desculpa para mascarar a incompetência: não há dinheiro.

Assim, a Nova República vai morrer e nascerá a Novíssima República, como aqueles antigos trens italianos, o rápido, o rapidíssimo, que nunca chegavam na hora. Será difícil achar a luz no fim do túnel se não decidirmos, pelo menos, em que direção procurá-la. O Brasil não precisa apenas de um ajuste fiscal, mas de rever todo o modelo que nos jogou no buraco.

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Jornalista

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