quinta-feira, 28 de maio de 2015

‘Greve na universidade só causa prejuízo para nós e para alunos’, diz Daniel Aarão Reis

• Professor questiona legitimidade das paralisações e rebate críticas

Raphael Kapa - O Globo

RIO - Em assembleia na semana passada, professores da Universidade Federal Fluminense (UFF) decidiram aderir a greve que sindicatos docentes de federais em todo país planejam começar a partir de hoje. Apesar do anúncio, o historiador Daniel Aarão Reis, titular de História na instituição, afirma que existe uma grande diferença entre o anunciado e o real. Devido também a sua trajetória como ex-combatente da ditadura e ex-presidente do PT do Rio (partido com o qual rompeu em 2005), seu posicionamento gerou repercussão nos meios acadêmicos depois que ele divulgou uma carta pública. Leia sua entrevista ao GLOBO.

Por quê o senhor é contra a greve?

Porque a decisão pela greve não foi coletiva, tal como minha posição não é isolada. A visão que expus é uma construção desde 2004, quando tivemos uma grande greve e levantamos, coletivamente, que esta ação desmobiliza mais do que pressiona. Perceba: não discordo das reivindicações. O que critico é a forma de luta proposta.

Qual o problema do uso da greve como forma de luta na educação?

A greve dos professores mimetiza a dos operários. Só que as consequências são muito diferentes. A greve na universidade só causa prejuízo para nós mesmos e, principalmente, para os alunos da graduação. O governo não liga para a paralisação. Enquanto as graduações param, mestrado e doutorado funcionam. Os professores não param suas pesquisas durante a greve. Muitos, de forma oportunista, aproveitam o tempo para tocarem outros projetos. Quem sofre é a graduação, e a universidade fica desmobilizada.

Por quê?

Ela fica um deserto. O maior trunfo da universidade é a troca de ideias. Uma universidade atuante pode interromper suas atividades durante um dia para fazer uma passeata com muito mais força do que quando está em greve e pulverizada. É errado o discurso de que ela é a única forma de luta. Além disso, a sociedade passou a ver a greve do funcionalismo público como algo ruim. Afinal, como se pode ficar parado durante o mês e ganhar no final? Isso são férias. É muita ingenuidade pensar que se pode fazer isso.

A Universidade piorou?

Houve avanços no governo Lula, mas não ocorreram continuidades. Muitas universidades foram criadas, muitas funcionam de forma precária. A terceirização é uma aberração. O funcionário não tem o menor laço com a comunidade. Além disso, há uma desvalorização do professorado. Sem desmerecer, um jovem juiz só com graduação ganha mais que um professor titular com doutorado. Não dá para falar de pátria educadora enquanto existir essa educação.


Em sua carta, o senhor afirmou que as assembleias sindicais não representam a comunidade. Por quê?

É necessário voltar no tempo para explicar isso. O movimento sindical nos anos 80 tinha uma associação muito íntima com as bases, com os departamentos. As assembleias sempre eram precedidas de reuniões de departamentos que escolhiam seus delegados para representarem aqueles grupos. Hoje, 140 professores definem 2 mil. Eles não levam em consideração a opinião da grande maioria. As assembleias, hoje, representam a si mesmas.

Logo, o anúncio da greve pode não ser visto no cotidiano da Universidade a partir de hoje?

Quando a comunidade sindical fala para a imprensa que a UFF está em greve, vale a pena dar uma olhada no terreno para ver se a gente está mesmo. É uma minoria. Essa greve não tem legitimidade, não pelas reivindicações mas pelo modelo, pelas decisões que não tiveram respaldo democrático.

Devido a sua carta, o senhor recebeu críticas. Chegaram a chamá-lo de pelego...

Eu acho graça quando dizem que sou pelego. Pelego é quem quer conciliar com o Estado. Eu não quero conciliar com o Estado. Sou contra essa gestão, o governo Dilma. Eu quero ver a universidade protestar. Esse insulto não me atinge.

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