sexta-feira, 15 de maio de 2015

Impacto de mudança chega a R$ 2,5 trilhões em 35 anos

• Mudança na aposentadoria dobra o deficit da Previdência em 2050; Dilma deve vetar

Cássia Almeida, Marcello Corrêa, Geralda Doca, Cristiane Jungblut, Luiza Damé e Júnia Gama – O Globo

Acerto de contas

RIO e BRASÍLIA - A mudança nas regras para se aposentar, aprovada anteontem pela Câmara dos Deputados, vai criar uma bomba fiscal para as próximas gerações. O custo estimado para os cofres públicos ao tornar mais flexível o fator previdenciário, que reduz o benefício conforme aumenta a expectativa de vida, vai ser de R$ 40,6 bilhões em dez anos e de R$ 2,5 trilhões em 35 anos. Em 2050, quando a faixa etária de 60 anos ou mais vai representar um terço da população - atualmente é de 12% - o deficit da Previdência Social vai dobrar. Diante do tamanho do impacto, a presidente Dilma Rousseff deverá vetar a mudança, e integrantes do governo já buscam alternativas que devem ser apresentadas o mais rápido possível ao grupo de trabalho, criado no fim de abril para tratar do tema.

Em outra frente, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fez uma advertência ao Senado. Na saída de um evento em São Paulo, ele afirmou que é preciso "muito cuidado para quando votarem não criarem uma nova necessidade de mais impostos". A interlocutores, foi mais direto:

- A Câmara demonstrou que quer uma carga tributária maior. O Senado vai ter que decidir se também quer esse aumento na carga tributária.

Pelos cálculos de Leonardo Rolim, consultor da Câmara dos Deputados e ex-secretário da Previdência Social, a medida vai fazer o rombo aumentar em 1,14% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), o que representaria hoje R$ 61,5 bilhões, praticamente toda a economia que o governo se comprometeu a fazer este ano para sanar as contas públicas. Atualmente, o rombo da Previdência é de 1,1% do PIB, chegaria a 2,24% em 2050.

- Nos primeiros anos não vai ter impacto. As pessoas vão esperar para se aposentar com as novas regras mais favoráveis. Mas, ao longo do tempo, o deficit dobra - afirmou Rolim.

Pelas contas do especialista, a regra que soma a idade e o tempo de contribuição, que deve ter como resultado 85 para as mulheres e 95 para os homens, quase dobra o benefício da mulher. Em média, as mulheres se aposentam aos 52 anos, com 30 anos de contribuição. Se esperar mais um ano e meio, o salário sobe 44,2%. Para os homens, que buscam o benefício em média aos 55 anos, mais dois anos e meio de trabalho aumentariam a aposentadoria em 20,5%. A soma de 85 para mulher e 95 para o homem permite que o trabalhador se aposente com o benefício máximo de R$ 4.663,75.

- Vai na contramão de um ajuste fiscal de médio e longo prazo e do que está acontecendo no mundo. Mais um saquinho de bondades que vai se tornar um belo saquinho de maldades lá na frente. A medida vai arrebentar as contas públicas. O financiamento da Previdência do cidadão brasileiro das próximas gerações estará comprometido, por pura demagogia - afirmou a professora da Coppead, da UFRJ, Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas.

Foi essa situação explosiva que revoltou o ministro da Fazenda. Levy irritou-se especialmente com os votos dados pelo PT e que alteraram o perfil da medida provisória 664, um dos pilares do ajuste fiscal, em uma manobra que considerou "irresponsável". Ele sinalizou a integrantes do governo que poderá endurecer mais o ajuste. A primeira medida seria um possível aumento da carga tributária. As outras seriam a possibilidade de estender às linhas de crédito do Banco do Brasil o arrocho de crédito que a Caixa já vem sofrendo e a ampliação do contigenciamento do Orçamento deste ano. A reunião que vai sacramentar o tamanho do represamento dos gastos do governo foi marcada para domingo, em Brasília.

A curto prazo, apesar de não ter impacto fiscal, a nova forma de cálculo da aposentadoria tem efeito na avaliação do país, na opinião do economista Raul Velloso, que acompanha com lupa as contas do governo:

- Quando a agência de risco avaliar o Brasil vai considerar o desequilíbrio crescente no gasto previdenciário, a piora da solvência do país a longo prazo. O fator era um sinal que o gasto estava atrelado às contribuições.

Atualmente, somente 27% das aposentadorias são concedidas por tempo de contribuição, exatamente as que serão atingidas pelas novas regras.

- São trabalhadores com nível de renda mais alto, que ficaram menos tempo na informalidade - afirma Rolim.

A metade se aposenta por idade e não está sujeita ao cálculo pelo fator previdenciário. O restante é por invalidez, e também não será afetado.

Segundo Margarida Gutierrez, as regras de Previdência Social precisam ser revistas a cada três anos, para acompanhar a evolução da composição etária da população.

- O país está no caminho inverso dos países centrais. A cada três anos há nova rodada de reformas, diante da longevidade, da mudança na estrutura etária. Temos deficit num país que é jovem, com a população envelhecendo. O Estado vai arrecadar para pagar previdência, não poderá fazer mais nada.

Para o professor do Ibmec/RJ, José Ronaldo Souza Jr, o ideal seria estabelecer idade mínima para a aposentadoria:

- Na legislação mais moderna dos países desenvolvidos, o que se tem tentado é fixar idade mínima de acordo com a expectativa de vida da população.

Esta é uma das alternativas já cogitadas pelo governo para manter a saúde do sistema previdenciário. Também estão em exame acabar com o fator e no lugar até utilizar a fórmula cumulativa idade/tempo de contribuição, mas de forma escalonada até chegar a 100 anos (mulher) e 105 anos (homem), diante do aumento da expectativa de vida; e aumentar o tempo de contribuição dos atuais 30 anos para 40 anos, no caso das mulheres, e de 35 anos para 42 anos, no caso dos homens.

- Não tem mágica. As alternativas precisam considerar o equilíbrio atuarial do regime de aposentadoria - disse um interlocutor do Planalto.

No governo, a esperança ainda é convencer os senadores a votar contra a alteração, sob o argumento de que a medida é o "pior dos mundos" porque não acaba com o fator e eleva os gastos da Previdência com o aumento das aposentadorias. Mas esse quadro mostrou-se muito complexo, especialmente depois de o presidente do Senado, Renan Calheiros, afirmar ontem que o novo cálculo deve passar na Casa.

- Como o Senado já resolveu acatar o fim do fator previdenciário, é óbvio que ele vai aproveitar essa oportunidade para colocar no lugar do fator uma regra que seja mais favorável aos trabalhadores e ao povo brasileiro. Sou a favor (do fim do fator). Acho que delonga demasiadamente a aposentadoria dos trabalhadores. Não concordo que todos os problemas do Brasil se resolvam cortando direito trabalhista e previdenciário - disse Renan.

No fim da tarde, o vice-presidente Michel Temer, articulador político do governo, deu prazo de 60 dias para que seja encontrada uma solução negociada para o fator previdenciário, no fórum integrado por representantes dos trabalhadores, dos aposentados, dos empresários e do governo. Para Temer, entre a votação no Senado da medida provisória que muda as regras de pagamento da pensão por morte e a sanção, o fórum será instalado e começará a discutir o tema para apresentar uma solução.

- É possível até que no momento da sanção ou logo depois possa haver uma solução por esse fórum. Eu vou sugerir prazo de 60 dias mais ou menos para ter uma solução para isso. O governo há muito tempo pensa em fazer uma revisão do fator previdenciário - disse Temer.

O vice afirmou que levará a sugestão para a reunião de coordenação de governo, na próxima segunda-feira. Ele admitiu, no entanto, que o veto presidencial é uma possibilidade:

- A questão do veto é uma questão da presidente. Não estou dizendo que seja vetado ou sancionado. Isso eu não sei dizer. O importante é que haja uma solução para o fator previdenciário.

O Palácio do Planalto já sabe que enfrentará uma rebelião no PT. Os senadores Paulo Paim (RS), Lindbergh Farias (RJ) e Walter Pinheiro (BA) prometem votar a favor da proposta que, na prática, enfraquece o fator previdenciário.

No dia seguinte à derrota na mudança da aposentadoria, o governo respirou aliviado com a rejeição de todas as novas tentativas de alteração à Medida Provisória (MP) 664, que torna mais rígidas as regras para pensão e auxílio-doença. Evitar uma nova derrota foi possível pelas promessas da articulação política do governo de que as nomeações de apadrinhados políticos acordadas serão publicadas no Diário Oficial e também de que as emendas parlamentares e os restos a pagar de anos anteriores serão em breve liberados, de acordo com a fidelidade de cada deputado nas votações do ajuste fiscal.

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