sábado, 30 de maio de 2015

Merval Pereira - Desafios democráticos

- O Globo

Diante da reação negativa na opinião pública que a manutenção das coligações proporcionais e a aprovação de cláusula frouxa de (mau) desempenho provocaram, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já anuncia nova rodada de votações para tornar mais rígidas as regras de acesso ao Fundo Partidário e à propaganda eleitoral de rádio e televisão, com critérios mais consentâneos com a moderna democracia representativa.

Paralelamente, o Supremo vai atuando pontualmente aqui e ali, emitindo sinais de que está atento às manobras no Congresso. A permissão para que empresas possam financiar os partidos nas campanhas foi colocada na Constituição, nesse arremedo de reforma política em curso, justamente porque o STF estava decidindo sobre o tema, já com resultado dado a favor da proibição desse financiamento. Não há como negar que o tem a deve ser analisado pelo teor constitucional, como definiu Luís Roberto Barroso: "A inconstitucionalidade, portanto, não está na possibilidade de empresas participar em com recursos financeiros do processo político, mas na to tal ausência de quaisquer limitações minimamente efetivas . Não se trata, consequentemente, de uma questão ideológica ou de opção institucional, mas, sim , de decência política e moralidade administrativa (CF, artigo 37)".

A regulamentação a ser feita pela Câmara, portanto, ser á essencial para que a participação de empresas nas eleições esteja segundo as regras democráticas. Há, no entanto, indício ruim já de saída , quando se constata que foi retirada do texto votado a ressalva de que qualquer arrecadação só poderia começar a ser feita após a definição legal do teto , que constava do rela tório do deputado Marcelo Castro na comissão que foi dissolvida. Do mesmo modo, a manutenção das coligações proporcionais pode ser analisada pelos efeitos no resultado das eleições, distorcendo a vontade do eleitor. Como define Barroso no julgamento em que o STF decidiu que o mandato majoritário pertence ao candidato eleito, e não à legenda, no voto proporcional, "havendo volumosa transferência de votos, e notadamente entre candidatos que se situam em pontos tão distintos do espectro político , o sistema entra em curto-circuito e se distancia do princípio da proporcionalidade da representação da Câmara (art. 45, caput, da CF/88) e da soberania popular (art. 1, § único , da CF/88)".

O que ocorre no país é que, não havendo liderança que se imponha aos demais partícipes do jogo democrático, as diversas instituições assumem seus papéis na tentativa de organizar a disputa política: uns com objetivos pessoais claros, como Cunha — que detém hoje o controle das ações da Câmara, mesmo que não vença sempre —; outros com objetivos institucionais, como o Supremo. A questão das cláusulas de desempenho, central para organização minimamente razoável de nosso espectro partidário, estava pactuada há mais de uma dezena de anos justamente para que os partidos pudessem se organizar a fim de cumpri-las quando entrassem em vigor. Eram cláusulas perfeitamente aceitáveis para que um partido tivesse representação no Congresso, acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV.

Exigiam aos partidos no mínimo 5% dos votos apurados, não computados os em branco e nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados, com mínimo de 2% do total de cada um. O STF, atendendo a uma ação de inconstitucionalidade do PCdoB, decidiu que uma legislação ordinária não era instrumento adequado a essa exigência, pois se sobrepunha à Constituição, que, no artigo 17, parágrafo 1º, define que é "livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa (...)". Além disso, diversos ministros incluíram nos votos a defesa das minorias, como se um partido que não obtivesse votos suficientes para se fazer presente no Congresso estivesse sendo tolhido em seus direitos.

Aprovado em 95, em plena democracia, pois, para entrar em vigor em 2007, o instrumento mais eficaz das democracias modernas para organizar sua representação congressual foi derrubado pelo STF, que hoje se ressente, por votos e pronunciamentos , de que a representatividade no Congresso está distorcida. A retomada da análise de temas como as cláusulas de desempenho para, pelo menos, acesso ao Fundo e à propaganda gratuita é fundamental para dar um pouco de coerência a nosso sistema partidário.

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