quarta-feira, 6 de maio de 2015

Merval Pereira - Realidade e propaganda

- O Globo

Nada como a realidade para moldar um governo que vive de propaganda e marketing na definição de políticas públicas, mais especificamente, nesse caso, apolítica de exploração do petróleo, que com a descoberta do pré-sal passou a ser um ativo político que parecia imbatível.

A participação de pelo menos 30% da Petrobras nas áreas licitadas, incluída na mudança do marco regulatório, se na ocasião parecia um exagero pela exigência de altos investimentos, hoje a realidade financeira da Petrobras e o mercado de petróleo no mundo já não justificam. O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, abriu pela primeira vez uma brecha para que a Petrobras "tenha o direito de recusar" quando for o caso. Também a exigência de conteúdo nacional, que quase sempre aumenta os custos da operação, pode ser revista "em alguns casos", sinalizou o ministro, acompanhado da diretora-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Magda Chambriard, que disse, em entrevista à Bloomberg, que a agência e o Ministério de Minas e Energia vão apresentar proposta para "ajustar e simplificar" as regras relativas ao conteúdo local.

Em 2010, quando os campos de pré-sal pareciam "bilhetes premiados " na definição de Lula, ele trouxe a valor presente uma riqueza futura, para tentar garantir a manutenção do poder futuro de seu grupo político . A mudança das regras de exploração não encontrava motivos técnicos razoáveis , veio apenas para aumentar o controle do Estado sobre o tesouro presumido , e provocou a disputa de futuros royalties entre os estados . O discurso ideológico do governo vendia a ideia, nos tempos das vacas gordas, de que é preciso aumentar o controle estatal nas jazidas de pré-sal, e se necessário ampliar também a participação acionária do governo na Petrobras, admitindo até mesmo voltar a ser majoritário no capital total da empresa, para que nosso tesouro do pré-sal não fosse controlado por investidores privados, especialmente os estrangeiros.

Hoje , quando o panorama da economia mundial mudou muito por causa da queda vertiginosa do preço do barril de petróleo, fruto de disputas geopolíticas e da chegada ao mercado do óleo de xisto dos Estados Unidos , já não há mais força ideológica que faça a Petrobras encontrar jeito de in vestir em todos os campos no mínimo 30%, e ainda mais com a obrigação de conteúdo nacional que encarece a produção, tornando-a, em certos casos , até antieconômica. Minto. Há nichos ideológicos dentro do PT que reagiram imediatamente às declarações do ministro, ainda mais por que as fez nos EUA, em uma feira de tecnologia para o petróleo. Esse fato demonstraria uma submissão aos espoliadores estrangeiros, que, segundo essa versão da história, estariam salivando diante da possibilidade de assumirem nosso petróleo .

Essa é uma história que dispensa as circunstâncias e as mudanças geopolíticas no mundo, congelando a discussão no tempo em que as vacas pareciam gordas e o bilhete, premiado. Não leva em conta a mudança das condições econômicas, nem de fora e muito menos aqui dentro, embora a Petrobras já tenha anunciado a redução drástica de seus investimentos depois de admitir um rombo de R$ 50 bilhões entre corrupção e má gestão de seus ativos. Uma outra mudança está para ser feita , em decorrência da corrupção que tomou conta da estatal. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado está para votar o projeto do senador peemedebista Ricardo Ferraço que acaba com a licitação simplificada na Petrobras para aquisição de produtos e serviços.

Com isso, fica sem efeito o decreto editado pelo governo Fernando Henrique que previa licitações mais rápidas para garantir a competitividade da Petrobras. O que era uma exceção , para ser usada se necessário, virou regra, e, na definição do senador , "o abuso do re médio para dar agilidade à empresa o tornou um veneno". A direção atual da Petrobras não gostaria de perder esse mecanismo que dá agilidade às ações da empresa, mas os abusos cometidos o comprometeram. São mudanças que as realidades do país e do mundo impõem , sem que a ideologia nada possa fazer para salvar os que trataram o pré-sal com medidas populistas.

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