quinta-feira, 25 de junho de 2015

A desconfiança impera – Editorial / O Estado de S. Paulo

É risível a repercussão, no centro do poder e nos quadros do partido, dos recentes pronunciamentos de Luiz Inácio Lula da Silva com críticas devastadoras ao governo Dilma e ao PT. Enquanto a presidente da República mal disfarçava seu constrangimento com a declaração de que "todo mundo tem direito de fazer críticas, principalmente o presidente Lula", a bancada petista no Senado divulgava uma nota de "desagravo" ao ex-presidente, que estaria sendo vítima de uma "sórdida campanha" por parte dos adversários políticos, que usam a luta contra a corrupção como pretexto para "tentar destruir um projeto nacional e popular". Por parte de Dilma não se poderia esperar mais do que uma encabulada contemporização, pois cabe à comandante da nau que soçobra fazer o possível para manter a água abaixo do queixo. E, oficialmente, a postura de toda a equipe de governo é a mesma. Por exemplo, para o palavroso ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, um quadro petista à esquerda de Lula, este está assumindo uma posição "de vanguarda" e suas palavras "induzem todos os petistas e simpatizantes a refletirem".

No máximo, os ministros de Dilma se permitem manifestar alguma surpresa diante das manifestações de Lula, como Jaques Wagner, da Defesa, que admitiu não estar "entendendo" e considerar "estranho" o discurso do chefe. Já no PT e no Congresso ninguém se preocupa muito em ficar em cima do muro. As reações variaram desde o desagravo ao agravador promovido pelos próprios agravados – como foi o caso da bancada petista no Senado –, até a manifestação de cauteloso repúdio feita pelo líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE):"Quem fica apregoando essa história do PT estar no fundo do poço, estar no volume morto... vamos esperar as eleições". O presidente nacional do PT, Rui Falcão, refugiou-se na ironia: "Prefiro quando o Lula diz que os que acham que o PT vai acabar darão com os burros n"água".Em resumo, no clima de salve-sequem puder que domina o governo e, muito mais ainda, o PT, Lula, com suas críticas, colocou todo mundo na defensiva e reitera seu protagonismo na cena política.

E é claro que não vai ficar só no discurso. A ridícula nota de "desagravo" não surgiu espontaneamente na bancada de senadores, mas foi o resultado da mobilização que Lula promove entre seus correligionários no Congresso para reforçar sua imagem de líder e preparar a blindagem de que ele precisa diante do avanço das investigações da Operação Lava Jato. Do ponto de vista estratégico há um certo consenso, entre os observadores e os agentes da cena política, de que Lula está preparando o terreno para um gradual afastamento de Dilma e de seu pessimamente avaliado governo. E esse prognóstico decorre da avaliação de que a economia dificilmente dará sinais sólidos de recuperação em tempo de não prejudicar a candidatura à Presidência, em 2018, de um nome apoiado pela presidente. O "puxão de orelha" que Lula está dando no PT demonstraria que é hora de mais uma reviravolta na trajetória do partido para garantir a continuidade de seu projeto de poder.

E essa guinada só ele próprio tem condições de liderar, como já fez uma vez com sucesso ao adotar um programa econômico "neoliberal" para vencer a eleição de 2002. Mas para tanto é necessário desvencilhar-se da notória identificação com Dilma e ferretear em seu governo o estigma de "dissidência" do PT. Essa nova metamorfose não parece impossível para um político que não tem nenhum compromisso com a coerência e já demonstrou grande capacidade de seduzir as massas.Essa estratégia incorre, porém, na imprudência de subestimar o discernimento dos brasileiros, inclusive os que vivem nos mais tradicionais redutos eleitorais do lulopetismo, que estão sofrendo em seu cotidiano os amargos efeitos de uma "nova matriz econômica" irresponsavelmente imposta pela combinação de miopia ideológica com oportunismo eleitoral e indignados com o assalto aos cofres públicos que se tornou marca registrada dos governos petistas. Afinal, se Lula demonstra não confiar em Dilma e esta certamente já não confia em seu criador, por que os brasileiros hão de confiar em qualquer um dos dois?

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