domingo, 7 de junho de 2015

Com Planalto fragilizado, Câmara tem maior ‘ativismo legislativo’ em 20 anos

• Eleito para o comando da Casa sob a bandeira da independência em relação ao Executivo, Eduardo Cunha conduziu 121 votações até maio, número recorde em início de legislatura desde 1995; ritmo acelerado coincide com a perda de influência do governo no Congresso

Daniel Bramatti e Rodrigo Burgarelli - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O ritmo de votações imposto pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o mais rápido das duas últimas décadas, pelo menos. Nos cinco primeiros meses da atual legislatura, os deputados votaram 121 vezes no plenário - o triplo do que no mesmo período de 2011, no início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Segundo análise do Estadão Dados que abrangeu todas as votações no plenário desde 1995, o recorde anterior havia sido registrado em 2007, no início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quando Aldo Rebelo (PC do B-SP) estava no comando da Câmara. Na época, foram realizadas 73 votações de janeiro a maio - 40% a menos do que agora.

O ritmo acelerado coincidiu com a perda de influência do Palácio do Planalto na definição das pautas do Legislativo. Eleito sob a bandeira da “independência” em relação ao governo, Cunha tem levado a votação projetos incômodos para a presidente Dilma, como o da elevação da idade limite para a aposentadoria dos ministros do Supremo Tribunal Federal e o que amplia as situações em que as empresas poderão terceirizar mão de obra.

Reforma. O protagonismo no Legislativo ajudou Cunha a ofuscar o fato de que é um dos alvos da Operação Lava Jato. O doleiro Alberto Youssef o acusou de receber propina em um esquema de aluguel de navios-plataforma para a Petrobrás. O peemedebista nega envolvimento no caso.

Além de contrariar interesses do governo, Cunha também atropelou procedimentos da própria Câmara para que o “menu” de assuntos a serem votados no plenário ficassem a seu gosto. Ao entrar em confronto com o relator da comissão especial que analisou propostas para a reforma política, Marcelo Castro (PMDB-PI), o presidente da Câmara, com o aval da maioria dos líderes dos partidos, ignorou o resultado dos trabalhos e colocou em votação outra proposta, elaborada em menos de 24 horas. “Fizemos papel de bobo”, disse Castro, no dia 25 de maio.

Ao votar de forma fatiada os diversos pontos da reforma política, Cunha foi derrotado duas vezes no dia 26 de maio, com a rejeição das emendas que instituíam o chamado “distritão” e que colocavam na Constituição a autorização para que candidatos recebessem doações de empresas - uma prática já declarada inconstitucional por seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal.

Inconformado, o peemedebista articulou uma nova votação do financiamento empresarial no dia seguinte - desta vez, o texto permitia doações apenas aos partidos, e não diretamente aos candidatos. A proposta acabou aprovada, mas não sem polêmica: 61 parlamentares, de seis partidos, recorreram ao STF para derrubar a emenda, já que a Constituição proíbe que uma mesma matéria seja votada duas vezes no mesmo ano.

Nos últimos dias, Cunha anunciou a intenção de levar ao plenário novos temas polêmicos, como a redução da maioridade penal e a imposição de novos critérios para a nomeação de dirigentes de estatais.

Veterano. Detentor do maior número de mandatos na Câmara (11), o deputado Miro Teixeira comemora a aceleração do ritmo de votações no plenário. Para ele, a causa principal do fenômeno são as mudanças promovidas por Michel Temer (PMDB-SP), em seu último mandato como presidente da Câmara (2009 a 2010), para reduzir as situações em que a pauta de votações é trancada pela tramitação de medidas provisórias. Outro fator importante, segundo ele, foi a decisão de Eduardo Cunha de realizar sessões de segunda a quinta-feira.


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