segunda-feira, 8 de junho de 2015

Crescimento do desemprego já afeta os jovens com maior escolaridade

Mais de 16% dos jovens estão sem trabalho

• Em dez anos, número de jovens formados saltou de 528 mil para 830 mil, mas parte dos que chegam ao mercado se deparam com falta de vagas; para especialistas, faixa etária é a mais vulnerável

Cleide Silva e Anna Carolina Papp - O Estado de S. Paulo

O aumento do desemprego no País, que atinge todas as faixas, mas em especial os brasileiros com 18 a 24 anos, castiga também os jovens com maior nível de escolaridade, que há até pouco tempo eram os menos afetados pela escassez de trabalho.

Em dez anos, saltou de 528 mil para 830 mil o número de jovens que se formam anualmente nas universidades brasileiras. Essa geração, beneficiada pelo acesso mais amplo ao ensino superior – parte dele favorecido por programas como o Financiamento Estudantil (Fies) do governo federal, que beneficiou cerca de 2 milhões de pessoas desde 2010 –, chega ao mercado e se depara com a falta de vagas.

“Terminei a faculdade em julho do ano passado e esperava que as empresas pudessem me dar uma oportunidade de crescimento, mas não foi isso que aconteceu”, diz Mateus de Oliveira, de 21 anos, formado em Gestão de Recursos Humanos pela Faculdade de Comunicação, Tecnologia e Turismo de Olinda (Facottur). Ele mora em Olinda (PE) com a irmã e a mãe. Os três sobrevivem com o salário mínimo que a mãe recebe como cuidadora de uma idosa e a pensão que o pai paga, e se diz “desesperado” para conseguir um emprego.

“Já estou aceitando qualquer vaga, até de vendedor em shopping center”, afirma Mateus. Além das necessidades básicas, ele quer se livrar de uma dívida de cerca de R$ 2 mil no cartão de crédito.

Dados da última Pesquisa Mensal de Empregos (PME), do IBGE, mostram que a taxa geral de desemprego em seis regiões metropolitanas do País (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre) foi de 6,4% em abril. Entre os jovens, essa taxa foi duas vezes e meia maior, e ultrapassou os 16%.

De 2002 a 2014, a taxa de desemprego entre jovens com até 24 anos caiu 11,2 pontos porcentuais, de 23,2% para 12%. Neste ano, essa taxa chegou a 16,2% em abril. “Demorou 12 anos para a taxa cair 11 pontos e em único ano já foram devolvidos mais de 4 pontos”, diz o pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Eduardo Zylberstajn.

Para Rodrigo Leandro de Moura, pesquisador e professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), apesar de o desemprego estar crescendo em todas as faixas etárias, os jovens tendem a sofrer mais em casos de conjuntura desfavorável.

“Em geral, o jovem é menos experiente, está em processo de escolarização e é menos produtivo. Numa recessão, a tendência é justamente cortar os trabalhadores menos produtivos”, diz Moura. “Além disso, o jovem é a única faixa etária que tem um contrato de trabalho mais flexível que os demais. Na hora de desligar, a empresa não incorre em custos demissionais; portanto, é mais barato.”

Sem experiência. Entre os jovens com 11 anos ou mais de formação (faixa que contempla o pessoal que tem ensino médio completo, ensino superior, mestrado e doutorado), a taxa de desemprego saltou de 11,1% em 2014 para 14,6% em abril deste ano.

“Já cheguei a mandar de 50 a 60 currículos por dia para empresas de São Paulo e outros Estados, e não consigo nada em minha área”, afirma Nicole Pervelli, de 22 anos. Formada no fim do ano passado em Engenharia Ambiental pela Fundação Santo André, ela já ampliou a busca para outras áreas da engenharia.

“Achei que seria mais fácil, mas, além da exigência de experiência na área, tem a crise no País que dificulta ainda mais”, lamenta Nicole, moradora de Santo André (SP). Ela diz que gostaria de ter um emprego para bancar suas despesas e não depender dos pais.

O número de desocupados com 11 anos ou mais de estudos aumentou de 265,9 mil pessoas em 2014 para 340,4 mil neste ano. Já o de ocupados caiu de 2,12 milhões para 1,98 milhão. Para o economista Raone Botteon Costa, da Fipe, “o País não está conseguindo gerar vagas qualificadas no mesmo ritmo em que está melhorando a qualificação”.

Formada em Biologia pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Larissa Ferrari Oliveira, 21 anos, está desempregada desde o final do ano passado, quando obteve o certificado de graduação. Durante o período da faculdade, estagiou em três lugares diferentes e, mesmo já tendo experiência na área, nenhuma oportunidade efetiva de trabalho apareceu.

Larissa se cadastrou em plataformas online de emprego e enviou currículos. Seu objetivo é trabalhar na área de manejo e conservação da fauna, mas ela procura oportunidades também fora desse campo. “Me inscrevi em algumas vagas para trabalhar como recepcionista e tradutora”, conta.

Apesar dos esforços, ainda não foi chamada para nenhuma entrevista. “Preciso de apoio financeiro”, diz. Larissa mora com os pais em Guarulhos (SP) e gostaria de bancar gastos como curso de inglês e transporte público.

Menos escolarizados ainda são os mais atingidos
Apesar de a perda de fôlego da economia deixar o mercado de trabalho um pouco mais hostil aos mais qualificados do que já foi no passado, a maioria afetada pelo aperto nas vagas são os menos escolarizados, diz Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper. Segundo ele, em razão da queda da renda das famílias nos últimos anos, mais jovens com menos qualificação ingressam no mercado de trabalho à procura de vagas no comércio ou em serviços.

“Nos últimos dez anos houve aumento da renda dos pais, o que possibilitou que o jovem não precisasse trabalhar ou fazer bicos para ter o próprio dinheiro”, explica Menezes Filho. “Agora, com a desaceleração da economia, o salário real parou de crescer e o desemprego começou a aumentar. Para complementar a renda da casa, o jovem, que antes só estudava, começa a procurar emprego.”

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, mostram que o saldo de postos de trabalho (diferença entre admissões e desligamentos) na faixa dos que têm ensino superior completo caiu de 19,4 mil em abril de 2014 para 500 em abril deste ano. O saldo positivo indica que esse mercado ainda gera vagas, embora a intensa desaceleração seja preocupante.

Já o saldo entre pessoas que têm apenas o ensino médio completo caiu, no mesmo período, de 77,7 mil para 26,1 mil negativos – ou seja, já há fechamento de vagas. “É preciso lembrar que a parcela de jovens que chega ao ensino superior ainda é muito baixa no Brasil, cerca de 20%”, diz Menezes Filho. “Dos 80% restantes, apenas metade chega a concluir o ensino médio.”

Para ele, “os escolarizados podem ter um pouco mais de dificuldade por causa da atual desaceleração da economia, mas sem dúvida os mais afetados pela alta dos índices de desemprego são os menos qualificados”.

Acesso. Outro recorte das estatísticas da situação dos jovens no mercado de trabalho, feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), confirma que, na região metropolitana de São Paulo – onde se concentra o maior número de jovens com educação superior –, a situação é mais difícil para os menos escolarizados.

O desemprego atinge 22,6% das pessoas da região com 18 a 24 anos, fatia que era de 19,8% em 2014. Considerando todas as faixas, a taxa média de desemprego é de 12,4%.

Entre os jovens, 37% dos desempregados têm ensino médio completo. Já entre aqueles com formação superior, o índice é irrelevante e não aparece nas estatísticas. “São poucos os jovens que chegam ao ensino superior, e esses poucos conseguem trabalho”, avalia a coordenadora do Dieese, Lucia Garcia.
Para ela, esse cenário reforça a necessidade de medidas que facilitem o acesso do jovem ao ensino superior. “Tudo o que prejudica o avanço da escolarização prejudica o jovem e o próprio País.”

/ Colaboraram Felipe Pontes e Rafaela Malvezi

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