segunda-feira, 22 de junho de 2015

Crise em Brasília frustra vitrine do PSB

Raymundo Costa - Valor Econômico

BRASÍLIA - Com um déficit herdado de R$ 3,1 bilhões e um déficit orçamentário de cerca R$ 3 bilhões previstos para este ano, o governo do Distrito Federal deve chegar ao fim de 2015 sem dinheiro para pagar a folha de pessoal. "Se não aumentar muito a receita nos próximos três meses, o governo pode deixar de pagar salários no final do ano", reconheceu o governador Rodrigo Rollemberg (PSB), ao ser questionado peloValor. "Realmente a situação é muito difícil".

Na fila de pagamentos estão, por exemplo, os R$ 1,4 bilhão devidos aos fornecedores do governo, referentes ao exercício de 2014. Rollemberg estima também que precisará de R$ 2,2 bilhões suplementares para honrar os salários dos servidores. Mas falta o apoio da Câmara Distrital, misto de assembleia legislativa com câmara de vereadores, para as iniciativas mais ousadas para aumentar a arrecadação. Apoio, por enquanto, só para medidas mais conservadoras, como o aumento do IPVA e do ITBI.

O PSB pretendia fazer do governo de Brasília uma vitrine nacional para projetar o partido como uma real alternativa política à esquerda ao PT. Talvez só em Pernambuco os conceitos da "nova política" foram tão vitoriosos quanto em Brasília. De uma só tacada, Rodrigo derrotou o PT, os ex-governadores Joaquim Roriz, José Roberto Arruda e Paulo Octávio, além do primeiro senador cassado da República, Luiz Estêvão - quase todos habitués das prisões da cidade.

Eleito no 'blackout' da política tradicional do DF, com a primeira prisão de um governador no exercício do mandato (Arruda), o ex-governador Agnelo Queiroz nem sequer foi para o segundo turno, tornando-se o segundo caso de governador no cargo a cair fora da disputa logo na primeira rodada (o outro foi Germano Rigotto, do PMDB do Rio Grande do Sul). Mas no momento é a "velha política" que parece se impor. Hoje é uma ameaça real à "nova política" de Eduardo Campos e Marina Silva.

Para sair do caos financeiro deixado pelo antecessor e cumprir suas promessas de campanha, Rollemberg recorreu a uma receita clássica mas ousada por ferir muitos interesses: a venda de ativos a fim de recuperar a capacidade de investir e manter a máquina em funcionamento.

No pacote, incluiu a venda de ações das mais vistosas estatais do DF, como o Banco Regional de Brasília (BRB) e as companhias de saneamento (Caesb) e de energia elétrica (CEB). Mas também o zoológico, o Parque da Cidade e a Torre de TV, um dos símbolos da cidade como as curvas arquitetura de Oscar Niemeyer. O pacote prevê ainda a formação de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para a construção de estradas e do VLT, venda de terras, um dos principais patrimônios do GDF, e a tomada de empréstimos externos, o que somente será possível se as contas estiverem nos parâmetros estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) - e elas estão no limite do limite.

O governo tem o Estádio Nacional, um monumento ao desperdício construído para alguns jogos da Copa do Mundo a um custo estimado em R$ 1,8 bilhão. O problema todo é que não há interessados em explorar o elefante branco.

Por mais lógicas que pareçam as medidas propostas, no entanto, os projetos empacaram na câmara, território da "velha política", e sofrem feroz oposição dos sindicatos de servidores, especialmente aqueles do BRB e das companhias de saneamento e de energia elétrica, três dos mais poderosos. Rollemberg se queixa de que os sindicatos não veem "o todo, mas apenas a defesa dos interesses da categoria", ou seja, aumento de salários e benefícios trabalhistas.

"Ou não entenderam a situação ou querem que realmente vire o caos", diz o jornalista Hélio Doyle, que há duas semanas deixou os dois cargos que ocupava no governo, a Casa Civil e a Secretaria de Comunicação, numa tentativa de Rollemberg para distensionar e compor as relações com a câmara, o que por muitos foi visto como uma rendição da "nova política" à "velha política".

Rollemberg insiste que seu governo está acabando com as velhas práticas políticas de Brasília, projetada para ser moderna mas que convive com todos os antigos vícios da política nacional, apesar de jovem, aos 55 anos. Segundo Rollemberg, quando assumiu o governo, há seis meses, havia deputado com 300 apadrinhados em cargos do governo. Isso, segundo ele, acabou. "É uma relação nova com a câmara e dá mais trabalho justamente porque é nova". Segundo o governador, já estava acertada a mudança na Casa Civil, que passaria a ter um perfil mais de gestão. "O Hélio decidiu sair por entender que ajudará mais estando fora".

O próprio Doyle, jornalista, ex-sindicalista e ex-petista, no entanto, se vê justamente como vítima do impasse entre o velho e o novo no GDF: "Você não bota o novo e mata o velho. Os dois convivem. Então é uma batalha", diz. Doyle se enfraqueceu também no PSB, que o acusava de centralismo excessivo e de manter no governo boa parte do PT de Agnelo Queiroz, especialmente na Saúde, área mais sucateada na gestão passada.

Esse é o paradoxo eleitoral de Brasília. Rollemberg derrotou o PT, Roriz, Arruda e Estevão. A eleição do jovem Reguffe (PDT) para o Senado também pode ser considerada uma façanha, porque ele derrotou o candidato de Roriz e Arruda, que era o então senador Gim Argelo, disputando a reeleição, e o candidato do PT, Geraldo Magela, que já levava no currículo um segundo lugar na disputa para o governo do DF. O resultado da eleição para a Câmara Distrital, no entanto, foi bem diferente. A coligação de Rollemberg elegeu quatro dos 24 deputados distritais, sendo três do PDT e um do Solidariedade, nenhum de seu próprio partido, o PSB. Na oposição o PT elegeu quatro, o PMDB três e o partido de Luiz Estêvão (PRTB) dois - o resto da Câmara é constituída por um representante de cada partido. Estava dada a receita para o desastre. A base política de Rollemberg é gasosa, flutuante.

Para se ter uma ideia do enrosco em que se encontra o governo, na sexta-feira passada a secretária do Planejamento, Leamir Lemos, discutia com um colega sobre como convencer os deputados distritais de que a intenção do governo era vender ações do Banco de Brasília sem perda do controle acionário. "Talvez a gente possa fazer uma reunião com a base aliada", sugeriu, à certa altura, para em seguida completar, com desalento: "Mas nós não sabemos nem quem é a base do governo!" O que a secretária quer explicar aos distritais é que o governo pretende vender no máximo 49% das ações das estatais, talvez nem todas de uma vez, e manter em suas mãos o controle acionário (51%) do BRB, Caesb e CEB, as joias do pacote.

É improvável que algum deles não entenda o que o governo diz. Os deputados criam dificuldades para negociar facilidades. Além dos cargos, o Valor apurou com integrantes das articulações que há demandas de todos os tipos por trás da pressão sobre o governo. Uma das mais óbvias, para quem deve R$ 1,4 bilhão de contas de 2014, é furar a fila de pagamentos. Demanda típica de Brasília, onde ainda há grande quantidade de áreas públicas, o governo tenta arrecadar mais regularizando a situação fundiária, mas há um boicote às tentativas de legalização que é alimentado na Câmara Distrital.

De acordo com dados oficiais, há 20 status de ocupação ilegal de terras em Brasília, e entre 800 mil e um milhão de pessoas morando em 300 áreas passíveis de regularização.

Há um pedaço de terra em cada um dos principais personagens da política de Brasília. Nesses 30 anos pós ditadura militar, Desde a posse de José Sarney, em 1985, Joaquim Roriz, um fazendeiro rústico de Goiás, governou durante 13 anos, período em que construiu um curral eleitoral estimulando a invasão de terras públicas. Samambaia é apenas o bairro mais famoso a ser criado, da noite para o dia, graças à política de Roriz.

O empresário Luiz Estêvão, o primeiro senador cassado da história do país, é um dos maiores incorporadores da cidade e o dono do PRTB - e ajudou na eleição da atual presidente da Câmara, Celina Leão (PDT), a quem se atribui a queda de Hélio Doyle. O ex-governador Paulo Otávio também é empreiteiro e incorporador tão grande quanto ou talvez maior que Estêvão. São quatro as empreiteiras que hoje dão as cartas em Brasília, cujos braços - direta ou indiretamente -se estendem até a Câmara.

Há uma tensão permanente entre as autoridades e as grandes incorporadoras sobre os limites do que pode ou não ser construído no Distrito Federal. Brasília salvou-se pelo tombamento do Plano Piloto, mas ao redor as empresas vez por outra ampliam esses limites. No Lago Sul foi construída uma quadra zero (subsequente ao Pontão do Lago) que não era prevista; a maior desfiguração ao projeto original da capital é o bairro de Àguas Claras, um maciço de espigões de até 30 andares, onde não se deveria ultrapassar os oito andares. O Setor Sudoeste não teria as quadras 300; atualmente as empresas tentam aprovar a construção das quadras 500, que podem invadir parte do Plano. O que deveria ser o Lago de São Bartolomeu, importante numa região com clima de baixa umidade, foi tomada por condomínios.

A rigor, não há uma discussão séria sobre se vai ou não faltar dinheiro para a Previdência, por exemplo. O governo do DF vai propor - e deve enfrentar a mesma resistência - algo que o governo federal já acabou há mais de 20 anos, que é a Previdência Complementar. O servidor do GDF hoje ganha a aposentadoria integral. E os salários são altos. Em Brasília o governo ainda paga a licença prêmio para os servidores que fazem a opção para receber em espécie. Outro dia desabou sobre a mesa de um secretário o caso de um servidor que tinha direito ao pagamento de 18 licenças-prêmio não gozadas - cerca de R$ 400 mil. Não há caixa que resista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário