segunda-feira, 1 de junho de 2015

José Roberto de Toledo - Parlamentarismo de ocasião

- O Estado de S. Paulo

Eduardo Cunha comanda a Câmara como um trator, soterrando quem se opõe, porque é o presidente do sindicato dos deputados federais. Acima de qualquer outra coisa, representa os interesses da categoria. Não é a primeira vez que essa coincidência ocorre. Sua diferença em relação a um Severino Cavalcanti ou um Inocêncio Oliveira é que Cunha não vem do baixo clero. Cunha é cacique, mas faz política olhando para os índios.

A reforma política de Eduardo Cunha não é uma reforma, nem sequer chega a ser política. É apenas a adequação das regras eleitorais aos interesses da maior parte dos deputados. A maioria usa dinheiro de empresas nas campanhas? Garanta-se que o Supremo Tribunal Federal não consiga proibir esse financiamento. Deputados ficam vexados quando se divulga o quanto receberam e de quem? Oculta-se a relação, camuflando-a de doação ao partido.

Os deputados querem ter mais chances de virar prefeito ou governador? Proíbe-se a reeleição de prefeitos e governadores. E faz-se tudo isso sob o discurso de que se está contemplando apenas o desejo da sociedade, atendendo à população que foi às ruas para pedir mudança em 2013. Pouco importa que não havia nas marchas de então nem sequer um cartaz clamando por financiamento eleitoral de empresas. O discurso é só discurso.

Nem por isso deixa de ter lá sua legitimidade. Como diz Cunha, ele não votou 330 vezes por fixar na Constituição as doações eleitorais de empresas. Foram outros 330 deputados, mais do que três quintos da Câmara. Votaram assim porque era o que seus eleitores queriam? Se não atenderam à maioria de seu eleitorado, atenderam à parte que manda: eles próprios e seus financiadores.

Não se deve demonizar alguém apenas por votar da maneira que mais lhe favorece. Afinal, o eleitor é, antes de tudo, um pragmático. Ele vota em quem lhe oferece mais vantagens – ou em quem ele acredita que vá fazer isso, o que nem sempre é igual. Os deputados não são diferentes.

Se puderem, sempre votarão em benefício próprio. Salvo quando há uma força antagônica que atue como moderadora de apetite e barganhe algo amargo por algo doce.

Em geral, essa força é o Executivo. Como tem de atender a seus próprios interesses – que nem sempre coincidem com o interesse imediato dos deputados –, todo e qualquer governo tenta impor uma pauta de votações ao Congresso. Em troca, oferece cargos, o pagamento de emendas ao Orçamento-Geral da União ou argumentos mais palpáveis. Mas há ocasiões em que o governo está tão fraco e desarticulado que nada disso basta para emplacar sua pauta.

Nessas situações, o presidencialismo de coalizão vira um parlamentarismo de ocasião. E o presidente da Câmara, se for hábil o suficiente, consegue criar uma agenda própria e impor sua vontade ao Executivo, sob a ameaça de derrotá-lo em plenário. Durante grande parte do governo Sarney, Ulysses Guimarães tinha mais poder do que o presidente da República. Cunha não chegou lá, mas está tentando. Há um problema, porém.

Cunha deve ter ambições eleitorais no Rio de Janeiro, mas sua prioridade é sobreviver politicamente. E sua sobrevivência está ameaçada pela Operação Lava Jato e pela Procuradoria-Geral da República. Quem vai comandar a instituição que pode abreviar a carreira política do presidente da Câmara e como vai exercer esse comando são o que mais importa para Cunha.

“Distritão”, redução da maioridade penal para 16 anos e outros bodes entraram na sala porque são meios para um fim: dissimular as prioridades do presidente da Câmara e produzir munição para ele pressionar o Executivo. Um exemplo? Influir no nome que Dilma Rousseff indicará como procurador-geral da República quando o mandato de Rodrigo Janot chegar ao fim.

A falsa reforma política foi só uma moeda nessa conta. Ajudou os deputados e, por tabela, fortaleceu Cunha. O resto é discurso.

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