segunda-feira, 15 de junho de 2015

Mario Vargas Llosa - González na Venezuela

- O Estado de S. Paulo

Estão equivocados os que afirmam que a visita do ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González à Venezuela foi um fracasso. Diria que foi um sucesso e nos dois dias nos quais ele permaneceu em Caracas prestou um grande serviço à causa da liberdade. É verdade que não conseguiu visitar o líder da oposição Leopoldo López, recluso na prisão militar de Ramo Verde, e também não assistiu à audiência em que o tribunal decidiria sobre a abertura de um processo contra o prefeito metropolitano de Caracas Antonio Ledezma, pois as duas sessões foram adiadas pelos juízes exatamente para impedir que González tivesse acesso a elas. Mas isso serviu para mostrar a total falta de independência da Justiça venezuelana, cujos tribunais e magistrados são meros instrumentos de Nicolás Maduro, a quem servem e obedecem como cachorro.

Por outro lado, o que foi de fato um absoluto fracasso foram as tentativas do governo e burocratas do regime de mobilizar a opinião pública contra González. Num ato tão ridículo quanto ilegal, o Parlamento presidido por Diosdado Cabello - acusado por perseguidos pelo chavismo nos Estados Unidos de dirigir a máfia do narcotráfico na Venezuela - declarou o líder socialista persona non grata, mas as manifestações de rua convocadas contra ele foram insignificantes, apenas com a presença de grupos de sequazes do governo, ao passo que, em todos os lugares públicos onde González apareceu, ele foi aplaudido entusiasticamente e acolhido calorosamente por um público que agradecia o apoio que significava a sua presença para os que lutam para salvar a Venezuela da ditadura.

Seu comportamento, nesses dias, foi impecável, isento de qualquer demagogia ou provocação. Reuniu-se com líderes da Mesa de Unidade Democrática (MUD), que congrega as principais forças da oposição, e exortou-os a esquecerem suas pequenas querelas e diferenças e se manterem unidos no grande objetivo comum de vencer as próximas eleições e ressuscitar a democracia venezuelana que o chavismo tem corroído sistematicamente até reduzi-la a escombros.

Embora todas as pesquisas indiquem que o apoio a Maduro não passa de 20% da população e os 80% restantes estão contra o regime, o triunfo da oposição não está assegurado em razão das possibilidades de fraude e de que, no desespero para se manter no poder, Maduro e seus correligionários recorram ao banho de sangue, diante dos muitos sinais observados desde a matança de estudantes no ano passado. Por isso é indispensável, como disse González, que todas as forças de oposição estejam solidárias nas próximas eleições que o regime, diante da pressão popular, prometeu para antes do fim do ano.

Mas talvez o efeito mais importante da visita de Felipe González à Venezuela, além da coragem pessoal que significou ir ao país e solidarizar-se com a oposição democrática sabendo que seria injuriado pela imprensa e pelos jornalistas do regime, foi o exemplo que deu à esquerda latino-americana e europeia. Porque há no meio dela, e não só entre grupos e pequenos círculos mais radicais e contra o sistema, setores que, apesar de tudo o que tem ocorrido nesses anos de chavismo, ainda acalentam simpatias pelo regime e resistem em criticá-lo e reconhecer o que ele é: uma crescente ditadura cuja política econômica e a corrupção generalizada empobreceram terrivelmente o país, hoje com a inflação mais alta do mundo, índices tenebrosos de criminalidade, insegurança nas ruas, onde desapareceu a liberdade de expressão e os abusos contra os direitos humanos se multiplicam a cada dia.

É verdade que alguns dos defensores do regime de Maduro, como os presidentes Rafael Correa, do Equador, Evo Morales, da Bolívia e Dilma Rousseff, do Brasil, o fazem com hipocrisia e duplicidade, elogiando-o em discursos demagógicos, defendendo-o nos organismos internacionais, mas evitando sistematicamente imitá-lo em suas políticas econômicas e sociais, conscientes de que, se seguirem o modelo chavista precipitarão seus países numa catástrofe semelhante à da Venezuela.

Na Europa, o socialismo transformou-se cada vez mais numa social-democracia, tornando seus os valores liberais tradicionais de tolerância, coexistência na diversidade, respeito à liberdade de opinião, eleições livres, uma Justiça independente, compreendendo que o controle estatal da economia são incompatíveis com o desenvolvimento e o progresso. Apesar disso, na América Latina ainda persistem os mitos do estatismo.

Felipe González prestou um enorme serviço à Espanha, contribuindo para a modernização do socialismo espanhol que, antes de dele, estava ainda impregnado de marxismo, e não havia assumido resolutamente a cultura democrática. Seu adversário de sempre, José María Aznar, realizou algo parecido com a direita espanhola, que impeliu no sentido da democratização.
Graças a essa convergência de ambas as forças para o centro, a Espanha, a uma velocidade que ninguém imaginava, deixou de ser uma ditadura anacrônica para se tornar uma democracia moderna.

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É prêmio Nobel de literatura

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