terça-feira, 23 de junho de 2015

Raymundo Costa - Expectativas e apreensão

- Valor Econômico


• "A minha popularidade fica para depois"


Lula poderia esvaziar a pressão política, se anunciasse hoje que não é candidato 2018? Há dúvidas, mas a controvérsia é ampla e atinge até setores que há exatamente um ano cerravam fileiras no "Volta Lula".

A pesquisa Datafolha arruinou o fim de semana da presidente Dilma Rousseff. Ela já esperava pelo resultado, mas ele sempre fica pior depois da divulgação. Dilma poderia entrar mais sossegada na segunda-feira.

Lula está apreensivo com os rumos da Operação Lava-Jato. Dilma aposta suas fichas no ministro Joaquim Levy e na reversão das expectativas econômicas, coisa pra mais de ano. O PT que não conte com ela em 2016.

Apesar da apreensão de Lula, amigos do ex-presidente fizeram uma minuciosa leitura da nota que a Odebrecht emitiu sobre a prisão de seu presidente, Marcelo Odebrecht. Concluíram que não está em seus planos a delação premiada.

A expectativa é que o empreiteiro tente se livrar da prisão pelo caminho convencional de um habeas corpus. Na hipótese de algum dia achar que não tem outra saída, os amigos de Lula apostam - ou têm esperança - que ele falará também de outros governos. A Odebrecht tem um passado que não se esgota no capítulo Lula.

Lula e seus amigos mais e mais falam mal de Dilma. Discorrem sobre um certo descontrole de um governo que não fala nem pra dentro nem pra fora. Cada ministério é uma ilha; o governo não tem conexões no Supremo, no Ministério Público Federal, OAB, CNBB, Conselho de Pastores e nem com as ONGs.

Dilma teria há muito sido advertida de que o governo deveria tomar a iniciativa e dizer bem mais que as empreiteiras podem contratar com a União, já que não estão condenadas, e até mesmo questionar prisões que não se justificariam.

No entanto, ao contrário do que sugere o vazamento de declarações de Lula de que ambos atingiram o volume morto, nem ele nem o PT devem abandonar o barco da presidente, apesar da reprovação recorde de Dilma.

A corrente majoritária do PT foi amplamente vitoriosa no congresso do partido, e Lula ajudou nas articulações que levaram à redação da "Carta de Salvador", na qual o partido, apesar de todas as ressalvas, dá seu apoio às medidas econômicas. Aliás, até ontem não havia sido divulgada a redação final da "Carta", tal o cuidado que o PT está tomando com seus termos. O PT insiste que vai defender o mandato de Dilma nas ruas, se for necessário.

Em conversa da presidente com líderes e ministros, em uma das muitas discussões sobre medidas para reativar a economia, como as concessões, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), se manifestou. "A senhora precisa antecipar o Minha Casa Minha Vida", disse, segundo um dos presentes. "É um programa emblemático para a popularidade da senhora".

Dilma deu uma resposta curta, mas esclarecedora, de acordo com a fonte: "A minha popularidade fica para depois". Por esse "depois" entenda-se algo como o fim de 2016, início de 2017, segundo a interpretação de quem acompanhou a reunião.

Os interlocutores da presidente explicam que Dilma fez uma inflexão no governo e hoje não tem dúvida nenhuma sobre o caminho apontado por Joaquim Levy.

Foi ela quem escolheu Levy, quando os preferidos de Lula eram Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central em seus dois mandatos, e Luiz Carlos Trabuco, executivo do Bradesco.

Isso não quer dizer que, à época, Dilma assinasse embaixo da receita que seria servida pelo ministro da Fazenda. Ou de tudo o que ele defendia.

O fato é que Dilma não tinha inteira convicção sobre Levy. O interlocutor da presidente lembra das vezes que o ministro defendia ou anunciava alguma coisa e Dilma não defendia e às vezes nem aparecia para a fotografia conjunta.

Isso mudou por completo. O próprio Levy parece bem mais à vontade nas reuniões de governo. E Dilma expressa confiança no ministro nas questões discutidas, dá atenção, procura o diálogo.

É Levy quem está montando o "road show" de Dilma pelos EUA, viagem que começa no fim deste mês de junho.

A expectativa real do governo é de recuperação ali por volta do 3º ou 4º anos de mandato, mas nada espetacular. Se for possível 2% de crescimento já seria "um espetáculo".

Nos cálculos do governo há expectativa de mudança na relação de forças na segunda metade da legislatura, quando Renan Calheiros (PMDB-AL) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ) devem ser substituídos nas presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, mantidas as regras atuais.

"Mas já no segundo semestre é possível a fragilização de alguns que hoje parecem fortes e o fortalecimento de outros que parecem fracos", diz o interlocutor de Dilma, fazendo mistério. Renan e Eduardo Cunha estão na alça-de-mira da Lava-Jato. É possível também uma recomposição do ministério, mas nunca é demais lembrar que o governo Dilma até agora foi um desastre na articulação política. Nem é visível que carta a presidente pode ter para tirar da manga.

Levy não estimula versões de que possa vir a fazer eventuais concessões ao Congresso. Ao contrário, quando o vice-presidente Michel Temer, durante a viagem da titular, assinou o decreto liberando as emendas parlamentares em restos da pagar, um líder governista anotou o sarcasmo - marca registrada do ministro - com que Levy tratou do assunto. Ele confirmou que as emendas seriam liberadas "muito gradualmente", dando sinais de bem atender às demandas federativas.

A preocupação de Dilma hoje é o desemprego. "É claro que se a economia for para o brejo esse projeto de reorganização vai atrás", diz um integrante das reuniões de articulação política do governo. Pode-se esperar um programa específico do governo federal nessa área.

Sobre sua nova candidatura, Lula ora sai com a bazófia de costume, de que se for provocado entrará numa sexta campanha presidencial, ora diz que somente será candidato se Dilma estiver bem. O ex-presidente só não tem dúvidas de que já está "na história", diga-se o que se disser dele agora.

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