terça-feira, 30 de junho de 2015

Raymundo Costa - Moro a capela

- Valor Econômico

• O juiz justo tem que ser parcial e forçar a mão pelo mais fraco

Aposentada e integralmente dedicada ao "ócio produtivo", a juíza e ex-deputada Denise Frossard acompanha pela imprensa o trabalho do juiz Sergio Moro, em Curitiba. Sob a alegação de que não conhece os autos que devassaram a corrupção na Petrobras, prefere não opinar sobre a conduta de Moro no comando da Operação Lava-Jato, questionada por advogados das empreiteiras envolvidas, mas também pelo PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Cada processo tem sua narrativa e suas complexidades, afirma Frossard, "mas pelo que eu leio nos jornais, o juiz está sendo muito cuidadoso, perfeito".

Durante seis anos, Denise Frossard teve que andar com seguranças. Em uma semana de 1993, para quem não se lembra, a juíza prendeu e depois condenou 14 contraventores da cúpula do jogo do bicho no Rio, inclusive o Capitão Guimarães, um egresso dos porões da ditadura que Frossard considerava o "cérebro da quadrilha". O país mal havia saído do impeachment de Collor, a ditadura acabara com a posse de um presidente civil apenas oito anos antes e as instituições estavam sendo reconstruídas.

Não há termo de comparação entre o que significam as empreiteiras arroladas na Lava-Jato para a economia do país com o jogo do bicho no Rio, mas a contravenção estava infiltrada no aparelho de Estado, na política e na polícia do Rio. Frossard se destacou pelo ineditismo de uma decisão contra quem parecia intocável, numa época em que a impunidade deixava de ser regra. Os contraventores tinham uma vida pública ligada ao samba. "Era uma forma de lavar a imagem", diz. Hoje são mais discretos, o que preocupa mais que tranquiliza a juíza aposentada. Segundo Frossard, quando a contravenção está "low profile ela está mais forte, com mais coesão interna".

A reclamação mais comum contra o juiz Moro é que ele mantém indevidamente presos os empreiteiros, por longos períodos, apenas para forçá-los a fazer a delação premiada. Frossard adverte que os prazos em um processos não são fixos e nem sempre têm a linearidade esperada por quem acompanha de fora o assunto. "O direito de espernear é da defesa ou de quem de alguma forma se sente atingido", diz a juíza. "E esperneia mais quando não tem muita defesa para apresentar". Ela duvida que algum empreiteiro ou diretor da Petrobras pego na Lava-Jato tenha ficado preso além de um prazo permitido em lei.

Na época em que Frossard encarcerou e condenou a cúpula da contravenção no Rio, no espaço de sete dias, não havia internet. Ela usou o computador de um jornalista amigo para armazenar e cruzar informações. Mas, sobretudo, não havia a definição legal do crime de formação de quadrilha que existe hoje. "O Ministério Público foi extremamente hábil ao desenvolver a tese de que aquelas pessoas se reuniam com a intenção de cometer crimes. Era a única forma de pegá-los".

Em 1993, se a pessoa tivesse um patrimônio a descoberto, bastava regularizá-los nos órgãos fazendários. "Valia a pena ser bandido naquela época". Os contraventores estavam de uma forma ou de outra relacionados a 53 homicídios - mas não havia como inculpá-los. Para condená-los pela quadrilha com intenção criminosa, Frossard teve "que costurar várias provas emprestadas".

A juíza é partidária da doutrina segundo a qual o juiz imparcial é um juiz injusto. O juiz justo tem que ser parcial. "É preciso analisar qual dos pratos da balança é o mais fraco", diz a juíza. "É sempre o caso de colocar a mão do lado mais fraco da balança". À época, diz Frossard, "tive que forçar a mão, pois a sociedade estava indefesa".

"Digamos que eu era o Moro à capela", responde, ao ser indagada se há algum termo de comparação entre ela e o colega de Curitiba. "Eu não dispunha de leis e investigadores apropriados para enfrentar o crime organizado". Frossard ganhou projeção com a condenação dos contraventores. Em 2002 se elegeu deputada federal, ganhando destaque por sua atuação na CPI dos Correios, que investigou o mensalão. Em 2006, já filiada ao PPS, chegou a disputar o segundo turno da eleição para o governo do Rio, mas perdeu para Sergio Cabral (PMDB). Hoje está afastada da política e prefere não ser chamada de deputada. É uma juíza aposentada.

Entre os instrumentos que Moro dispõe e Frossard não tinha estão a definição do que é crime organizado, a cooperação internacional e a delação premiada. Ela imagina que poderia ter feito um acordo com pelo menos um dos barões do jogo do bicho.

Denise Frossard era juíza-substituta. O Tribunal de Justiça sofreu pressões mais ou menos veladas para afastá-la do caso. Em mais de uma ocasião ela e seus familiares foram ameaçados de morte. "É sempre assim: eles primeiro tentam te comprar, depois difamar e por fim matar". As pressões não se limitavam às autoridades locais. A atuação de Frossard no Rio provocou reações até em Brasília, mas esses são casos que ela deixará para contar em um livro ainda sem data marcada para sair. "São apenas 22 anos, muita gente ainda está viva", diz Denise Frossard.

No melhor estilo Lula, a presidente Dilma embaralha para confundir. Não há como comparar os alcaguetes e X-9 da época da ditadura com o réu que faz uso da delação premiada, um instrumento previsto em lei, para ajudar as autoridades no combate sobre desvio de dinheiro público em troca da atenuação de pena. Tudo dentro dos marcos do estado de direito, ao contrário do que ocorria no regime militar, quando a presidente esteve presa e os direitos e garantias individuais estavam suspensos pela força das armas. Os empresários que reclamam do juiz Moro têm instâncias superiores a que recorrer. O Supremo Tribunal Federal (STF) está aberto. Não está fechado nem imobilizado por leis de exceção como era o AI-5. Atraso também é Lula e o PT cobrarem a interferência do Ministério da Justiça nas investigações. A independência da Polícia Federal é uma conquista democrática.

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