quarta-feira, 17 de junho de 2015

Vinicius Torres Freire - A crise vai ao supermercado

- Folha de S. Paulo

• Fazia mais de década que vendas do varejo não caíam tão rápido e até chegar à estagnação

Lá se vai mais de uma década que as vendas do comércio não despencavam tão rápido e davam com a cara no chão. Foi o que se viu em abril, dado mais recente da pesquisa mensal do IBGE, divulgado ontem.

Como não há por enquanto mais povo "nas ruas", não importa que classe de povo, essas estatísticas vêm sendo tratadas como abstrações por elites várias, sendo que as políticas estão em boa parte entretidas com mesquinharias, baixezas e oportunismos de gente muito pequena.

Sim, o desemprego não explodiu, pelo menos ainda, com exceção dos castigados trabalhadores da construção civil e da indústria, da paulista em particular. Há amortecedores sociais inéditos para desempregados e pobres. O nível de consumo é muito maior do que em 2003 ou desde sempre, para falar a verdade.

Ainda assim, o colapso das compras em tal ritmo sugere uma depressão de humores e rendimentos que ainda não foi captada em pesquisa social ou política, mas que vai parecer bem feia --ou coisa pior, caso houvesse alguma liderança capaz de dar sentido a esse sentimento muito ruim.

Inédito
Reduções rápidas da velocidade das vendas a gente havia visto mesmo na crise de confiança de 2013, na recessão rápida de 2009, no arrocho anti-inflacionário de 2005 (os dados da pesquisa de comércio do IBGE vão até 2001). Mas nesses casos o ritmo de aumento das vendas passava da casa dos 8%-10% para algo em torno de 4%-5%, ainda crescendo muito bem. Agora a história é outra.

As vendas do varejo ainda cresciam na casa dos 5% em abril de 2014 (no acumulado em doze meses). Agora, não crescem mais, e o faturamento do comércio cai, se descontada a inflação. Desde 2004 as vendas de supermercados não caíam, na conta do acumulado em doze meses. Em resumo, se ainda fosse necessário ser mais explícito, a crise chegou ao essencial, ao carrinho da comida e dos básicos das casas.

No geral, não se trata, claro, propriamente de surpresa.

Os rendimentos vêm sendo comidos pela inflação de quase 9% ao ano, não importa que muito acordo salarial viesse cobrindo a alta dos preços. Enquanto o reajuste não vem, a inflação corrói o salário.

Agreguem-se a isso as consequências econômicas do estelionato político-eleitoral do início do ano. O revertério da política econômica e o baque do tarifaço de Dilma 2, além de abrir buracos imediatos nas contas da maioria dos brasileiros comuns, devem ter criado confusão e medo nas pessoas, ânimo degradado pelas notícias de demissões.

Mais impressionante é a velocidade da piora, ressalte-se. Tratou-se de reflexo do clima social e político, que andou ainda pior no primeiro trimestre do ano (note-se que estamos tratando de dados de abril)? A deterioração seria agora mais lenta e gradual, dado que passou o clima de fim de mundo imediato?

Difícil saber, até porque as previsões dos economistas para o comércio vieram muito, muito furadas, neste mês. Dadas as notícias ruins de abril, muita consultoria relevante jogou as previsões de crescimento para o ano para baixo de zero, resultado inédito desde 2003.

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