domingo, 26 de julho de 2015

Dora Kramer - O truque da trégua

- O Estado de S. Paulo

O PT, Lula e companhia quando estão por baixo oferecem aos adversários a mão que afaga; se dão a volta por cima, entra de novo em cena a mão que os apedreja.

Ao longo dos anos, o PSDB teve pesadas provas dessa dinâmica e, provavelmente em decorrência da lição, é que recebeu com prudente reserva a ideia que passou a circular recentemente entre petistas e no governo sobre a abertura de um espaço de entendimento com os tucanos para tratar do arrefecimento da crise política, tendo como interlocutor principal o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ministros se manifestaram a favor, informando que a presidente Dilma Rousseff gostaria de participar. A sugestão em tese razoável, na prática recende a marotagem. O histórico dos petistas no quesito entendimentos não recomenda confiança, não há pauta específica nem igualdade de condições na oportunidade.

Lula e Dilma nada teriam de objetivo a tratar com FH, porque nenhum dos problemas enfrentados pelo governo foi criado pela oposição e, assim, os tucanos não teriam o poder de resolver coisa alguma. A menos que os petistas estejam pensando na hipótese (maluca) de se escorar politicamente no PSDB para contrabalançar a perda de apoio na própria base e passar um “verniz” na imagem do governo.

Os oposicionistas não morderão essa isca que vem agora denominada de “agenda superior”. Superior a quê? A questão é posta no ar para transferir à oposição a responsabilidade de administrar a situação adversa _ coisa que não é tarefa dela _ e acusá-la de intransigente caso não aceite tão generosa oferta.

Oferta essa vaga como o “diálogo” prometido pela presidente Dilma Rousseff em seu discurso na noite em que foi anunciada sua vitória na reeleição. Com a “mão estendida”, na ocasião a presidente sequer referiu-se ao oponente Aécio Neves. Em seguida, ela se esqueceu do que havia se proposto e recolheu-se ao Palácio para arquitetar as medidas duras que na campanha dizia que a oposição iria adotar se ganhasse a eleição.

Todas as vezes em que entrou em tratativas com o PT o PSDB saiu perdendo. A começar pela campanha eleitoral de 2002, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso firmou um acordo com os principais candidatos de oposição em torno de um acerto com o FMI sobre o superávit fiscal, em agosto, e soube do rompimento da trégua pelos jornais no início de setembro.

Eleito Luiz Inácio da Silva para presidente, FH organizou uma “operação transição” das mais civilizadas. Estava de certo modo vaidoso de ser sucedido pelo “operário-presidente”, abriu os dados do governo, fez o que era sua obrigação, mas tratou o sucessor com especial atenção. Foi calculadamente elegante na derrota.

Para ouvir no dia na posse de Lula e pelos anos seguintes, que havia legado ao PT uma “herança maldita” e, ainda assim, ver os novos ocupantes do poder tomar para si a autoria da estabilidade econômica que havia sido construída sob o comando dele.

Até que estourou o escândalo do mensalão. O publicitário Duda Mendonça confessou à CPI dos Correios que havia recebido dinheiro de caixa dois na campanha de Lula em 2002. Estava dada ali a condição para incluir o então presidente na denúncia que viria a ser apresentada pelo Ministério Público.

Não fosse um “diálogo” patrocinado pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, com a oposição, que optou por pisar no freio. O PT deu a volta por cima, não se considerou minimamente devedor do entendimento e impôs três novas derrotas ao PSDB, com requintes de humilhação.

De onde os tucanos não pretendem insistir no papel de mulher de malandro.

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