quarta-feira, 1 de julho de 2015

Luiz Carlos Azedo - O abraço negro

Correio Braziliense

• O encontro com Obama foi reconfortante para Dilma, quase “um encosta a cabeça no meu ombro e chora”. A presidente da República viajou sob o impacto da “delação premiada” do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC

Em ascensão política, com a recuperação da economia americana, a aprovação de seu plano de saúde e o restabelecimento de relações diplomáticas com Cuba, num fim de segundo mandato que começou dramático, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, jogou uma boia para a presidente Dilma Rousseff, salvando a visita de Estado que fez aos Estados Unidos de um fracasso retumbante. “Confio completamente nela, sempre foi muito honesta comigo, e além disso cumpriu o que prometeu”, afirmou Obama, que disse ter uma “excelente” relação com Dilma desde que ela chegou ao poder em 2011, na entrevista coletiva que ambos concederam na Casa Branca.

O presidente norte-americano fez apenas uma referência à crise na relação bilateral provocada pelas revelações de que ela e a Petrobras foram espionadas pela Agência de Segurança Nacional Americana (NSA), ao ressaltar que “nenhuma relação entre os países está isenta de desacordos e é normal haver atritos”. Mas destacou que, nos últimos meses, Estados Unidos e Brasil “aprofundaram seus laços de forma constante”. E que os EUA e o Brasil “deveriam ser aliados fortes durante anos.”

Obama não se desculpou oficialmente pela espionagem cometida no passado, mas Dilma deu o assunto por encerrado ao dizer que também confia no presidente dos Estados Unidos: “Acredito no presidente Obama (…), se em algum momento precisar de informação que não for pública sobre o Brasil, simplesmente me telefonará”. O presidente norte-americano, na entrevista, tratou o Brasil como uma potência mundial e aliado estratégico na América do Sul.

A visita de Dilma, de certa forma, foi uma inflexão na política externa brasileira, que nos últimos anos manteve distância dos EUA. Do ponto de vista prático, porém, a relação avançou pouco e teve repercussão internacional menor ainda, inclusive na imprensa norte-americana. No Brasil, a repercussão maior foi quanto às novas facilidades para obter o visto norte-americano.

Incertezas
Brasil e EUA assumiram compromisso de, até 2030, recuperar 120 mil km² de florestas. O governo brasileiro diz no documento que as fontes renováveis, tanto para geração de energia quanto para biocombustíveis, devem representar entre 28% e 33% do total de recursos usados, também até 2030. A meta não inclui a energia hidrelétrica. São exemplos de fontes renováveis o sol, o vento e a biomassa. A intenção é diminuir o uso de fontes que se esgotam, como petróleo e carvão. O alinhamento dos Estados Unidos e Brasil pode ser decisivo para o sucesso da Conferência do Clima, no fim do ano, em Paris.

Nada disso, entretanto, garantiu o sucesso do governo brasileiro em relação ao objetivo principal da visita, a atração de investimentos norte-americanos para o programa de concessões que Dilma lançou recentemente. Mesmo com os acordos celebrados para a venda de carne bovina e cooperação na área de defesa, a visita foi prejudicada pela situação interna do país, principalmente em razão dos percalços do “ajuste fiscal” e do escândalo da Petrobras e dos desdobramentos da Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção na empresa. Para quem olha de fora, o nosso ambiente interno é de incertezas econômicas e políticas, além de insegurança jurídica e ausência de paradigmas éticos confiáveis.

O encontro com Obama, mesmo assim, foi reconfortante para Dilma, quase “um encosta a cabeça no meu ombro e chora”. A presidente da República viajou sob o impacto da “delação premiada” do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC, apontado como chefe do cartel das maiores empreiteiras do país, envolvidas no superfaturamento de obras e serviços prestados à Petrobras e farta distribuição de propina para políticos. Pessoa declarou que doou R$ 7,5 milhões para a campanha de Dilma Rousseff porque foi ameaçado de ter seus contratos com a empresa cancelados pelo tesoureiro, o ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva, que hoje ocupa o cargo de ministro de Comunicação Social do governo.

Dilma reagiu às denúncias com a cabeça quente e falou besteiras em relação à “delação premiada” de Ricardo Pessoa, comparando a situação com a Inconfidência Mineira e as confissões obtidas sob tortura durante o regime militar. Ontem, voltou a dar declarações sobre o tema, questionando as investigações da Operação Lava-Jato.

No Brasil, os partidos de oposição decidiram entrar com representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a petista e o ministro Edinho Silva (Comunicação Social), tesoureiro da campanha de Dilma em 2014, por crime de extorsão. PSDB, DEM, PPS e SDD também vão pedir o compartilhamento do conteúdo da delação premiada de Ricardo Pessoa com o Tribunal Superior Eleitoral, com objetivo de confirmar as suspeitas que envolvem a campanha de Dilma à reeleição. Acusam o governo de “achacar” o empreiteiro, obrigando-o a doar recursos para a campanha da petista com o objetivo de se manter no esquema de corrupção na Petrobras.

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