domingo, 19 de julho de 2015

Luiz Carlos Azedo - O bode na Câmara

- Correio Braziliense

• O Palácio do Planalto ainda aposta numa narrativa na qual Dilma possa emergir como pecadora arrependida e perdoada. Mas, para isso, é preciso que alguém seja sacrificado

Na doutrina cristã, a expiação significa o perdão dos pecados àqueles que se arrependem deles e a reconciliação de Deus com o pecador. Mas, para isso, é preciso o sacrifício de alguém em substituição ao pecador arrependido.

A pena estabelecida por Deus ao pecador lá no jardim do Éden foi a morte (Gênesis 2:17). Para além da morte física, há também a separação total da presença de Deus.

No Antigo Testamento, os substitutos que davam a vida no lugar dos pecadores arrependidos eram os animais. Eles eram sacrificados em lugar do pecador. Dessa forma, Deus se satisfazia e os perdoava. Com Jesus, porém, tudo mudou. “Cordeiro de Deus”, Cristo pagou com a vida para expiar os pecados dos homens.

“Deus ofereceu Cristo como sacrifício para que, pela sua morte na cruz, se tornasse o meio de as pessoas receberem o perdão dos seus pecados, pela fé nele. Deus quis mostrar com isso que ele é justo.” (Rm 3:25 — NTLH).

Na antropologia, o rito de expiação é um dos arquétipos mais estudados. Jesus, um inocente, deu a sua vida para nos reconciliar com Deus, para que os nossos pecados fossem perdoados. Arquétipo é uma espécie de imagem apriorística incrustada profundamente no inconsciente coletivo da humanidade, projetando-se em diversos aspectos da vida humana, como sonhos e até mesmo narrativas.

Carl Jung, o pai da psicologia analítica, explica que, no inconsciente coletivo, “estamos tratando de tipos arcaicos — ou melhor — primordiais, isto é, de imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos”.

Pagar os pecados
No Brasil, as crises políticas agudas costumam ser catalizadas por arquétipos, como aconteceu com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Por força do nosso velho “sebastianismo” e do governo unipessoal — prefeitos, governadores e o presidente da República dão as cartas —, é impossível não “fulanizar” essas crises políticas, principalmente em meio a dificuldades econômicas e denúncias de corrupção.

É o que ocorre agora. A presidente Dilma Rousseff, do ponto de vista da opinião pública e dos políticos, é a grande vilã da crise econômica. É também um fio desencapado já conhecido da crise de governabilidade no Congresso, mas ainda não foi volatilizada pela crise ética. Por isso mesmo, o Palácio do Planalto ainda aposta numa narrativa na qual Dilma possa emergir como pecadora arrependida e perdoada.

Mas, para isso, é preciso que alguém seja sacrificado, não no sentido bíblico stricto sensu, o que exigiria uma espécie de Jesus Cristo (digamos que esse papel seja uma grande tentação para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), mas no da expiação primitiva. É aí que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), emerge como o arquétipo ideal para purgar os pecados da política.

Em rota de colisão com o Ministério Público Federal e o Judiciário, em oposição aberta ao Palácio do Planalto, Cunha começa a ser responsabilizado pelo fracasso do ajuste fiscal, por uma séria de derrotas impostas ao Palácio do Planalto, e emerge como um dos protagonistas da crise ética, dividindo a culpa com os petistas, em razão das denúncias que surgem contra ele nos depoimentos da Operação Lava-Jato.

O Congresso costuma purgar os seus pecados acionando a guilhotina das cassações. Por mais blindado que esteja na Mesa Diretora e no Conselho de Ética da Câmara, Eduardo Cunha corre sérios riscos de ver a carreira encerrada mais cedo do que imaginava na sua rota de colisão com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o Judiciário, principalmente se o Supremo Tribunal Federal (STF) tomar as dores do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba.

O recado foi dado pelo ministro do STF Marco Aurélio: “O anúncio de Cunha de que se tornou oposição ao governo me surpreende, porque não sabia que ele fazia parte da base aliada. Também me causa estranheza o que ele diz sobre o procurador Rodrigo Janot, que não é um pau-mandado. Nem ele, nem o STF. O mandato dele é exercido com independência de todos os Poderes, bem como o nosso. Acredito que esse tipo de reação seja por uma visão individualista e apaixonada do que é o cargo que ele ocupa. Homens públicos como o presidente da Câmara deveriam usar o cargo para servir, e não para se servirem”.

Para o Palácio do Planalto, a narrativa ideal para evitar um processo de impeachment, que somente pode ser iniciado pelo presidente da Câmara, não é a tese do golpismo, é demonizar o presidente da Câmara. Na sua escalada de confronto, Cunha pode ser afastado do cargo pelo STF. Já é o bode expiatório da crise de governabilidade. É tudo de que a presidente Dilma, grande inepta na relação com os políticos, precisa.

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