segunda-feira, 13 de julho de 2015

Marcos Nobre - A estabilidade, versão Dilma

- Valor Econômico

• Se o governo não se firmou, também não se inviabilizou

Ainda que sem empenho ou convicção, até que a presidente encenou reerguer seu governo. Desde o abafa de março deste ano, teve algumas poucas brechas para tentar recuperar a iniciativa e começar seu segundo mandato. Mas o fato é que nenhuma foi adiante. A terceirização da negociação política para o PMDB serviu apenas para entregar um ajuste todo cheio de jabutis e um ambiente político em ritmo de fim de mundo. Também a tentativa de assumir o governo após a votação da parte mais importante do ajuste fiscal, o momento da "agenda positiva", não durou o tempo dos anúncios publicitários.

Ainda assim, a presidente não está até o momento com seu cargo seriamente ameaçado, mesmo computadas as altíssimas taxas de reprovação a seu governo. É verdade que, passada a trégua belicosa do ajuste, aumentou a pressão para a abertura de um processo de impedimento. Mas aí surge o peculiar e paradoxal da situação: se o governo não se firmou, também está longe de ter se inviabilizado.

Isso se explica em boa medida pela única firme decisão de Dilma: não ceder a nenhuma das forças que assalta o governo, seja de dentro, seja de fora. A força de assalto mais persistente e ruidosa vem do ex-presidente Lula e, em menor medida, do PT. Desde o fim do ano passado, Lula tem insistido para que Dilma lhe entregue o governo. Bate-se, por exemplo, para que o ministro da Defesa, Jaques Wagner, substitua Aloizio Mercadante na Casa Civil. Movimenta-se freneticamente, dá uma série de ultimatos, tenta articular pelas costas da presidente.

O mais recente ultimato emitido por Lula foi no final de junho, quando disse que o PT tinha de escolher entre salvar sua pele e seus cargos, ou seu projeto. Depois disso, aproveitou que Dilma viajou aos EUA para ocupar o espaço que acha que ela deveria ocupar: foi a Brasília tentar sozinho rearticular a base parlamentar. Foi esnobado.

Não por acaso, o núcleo duro de Dilma sempre foi composto por quadros do PT que são desafetos de Lula, de preferência pertencentes a correntes adversárias daquela do ex-presidente dentro do partido. Se tivesse qualquer intenção de lhe entregar o governo, já o teria feito. Lula e o PT estão amarrados a Dilma. O contrário, hoje, não é verdadeiro na mesma medida.

A segunda força de assalto está lotada no PMDB. É muito difícil falar em metas comuns nesse caso. Mas é possível identificar pelo menos dois grandes objetivos: trancar as investigações da Operação Lava-Jato e garantir verbas para suas prefeituras. O primeiro objetivo é ambicioso demais, dado o avançado das investigações e, sobretudo, o amplo e difuso apoio popular ao processo.

Mas a Lava-Jato também afetou de maneira profunda as eleições municipais do próximo ano, o ponto mais sensível para o PMDB. Como resultado da operação, a que vieram se somar os graves efeitos da recessão, os financiamentos de campanha vão escassear. Nesse contexto, verbas federais e cargos estratégicos se tornam ainda mais cruciais. Especialmente no caso do PMDB, que tem na sua característica de partido com o maior número de prefeituras do país a fonte última de seu poder. Conseguir controlar o que restou de recursos depois dos talhos orçamentários é questão de sobrevivência para o PMDB.

Como parte de seu modo de operar, Dilma entregou apenas muito parcialmente o que foi extorquido pelo PMDB. O vice-presidente Michel Temer, colocado na posição de responsável pela articulação política, fecha acordos superfaturados com a base para a aprovação de matérias de interesse do governo. A Casa Civil e a Fazenda cortam muito mais do que apenas o sobrepreço dos acordos. Apesar disso, Temer não vai cair no conto do vigário do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que propõe um rompimento da aliança de governo. Sabe que o vendaval de um afastamento pode carregá-lo junto com Dilma.

A força de assalto externa, o PSDB, nem precisa da ajuda do governo para tropeçar nos próprios pés. Como os interesses dos potenciais beneficiários depende de timings muito diferentes, a unificação do partido em torno de uma estratégia comum está hoje inviabilizada. A saída de Dilma e Temer favorece Aécio Neves. Se houver a cassação da chapa vencedora da eleição de 2014 no Tribunal Superior Eleitoral, assume o presidente da Câmara e convoca eleições em noventa dias. Aécio conta com um recall de menos de um ano, ocupa a presidência do partido, não há como não ser ele o candidato.

As melhores chances de Geraldo Alckmin estão em um mandato cumprido pela chapa eleita até 2018. Com isso, teria tempo para ganhar a indicação do partido. Conta para isso com nada menos do que o governo de São Paulo. Já o cenário mais favorável para José Serra seria um impedimento iniciado com um relatório de rejeição de contas pelo Tribunal de Contas da União, responsabilizando apenas da presidente. Com Michel Temer na Presidência para completar o mandato, Serra conta poder fazer um ensaio do que seria um governo parlamentarista a partir de 2019, do qual se imagina primeiro-ministro.

Ou seja, para Aécio, o impedimento teria de se dar o mais rápido possível. Para Serra, o impedimento teria de ser apenas da presidente e teria de acontecer antes de transcorridos dois anos de mandato, de maneira a que Temer assuma. Para Alckmin, a chapa eleita teria de cumprir seu mandato até o final. Não há compatibilização possível enquanto um dos grupos não se impuser. E, não por acaso, cada um dos três cenários desejados pelos três possíveis candidatos depende de alianças com setores diferentes do PMDB. E esses setores do PMDB, evidentemente, também não se entendem entre si.

As condições para um afastamento de Dilma dependem de acordos de cúpula que estão muito longe de acontecer. Acordos ainda mais difíceis de fechar em vista da imprevisibilidade do que pode surgir nas ruas e no aprofundamento da Lava-Jato. Dilma flutua entre forças que não controla. Mas também não é controlada por nenhuma delas em particular. É assim que, paradoxalmente, vai se mostrando a opção menos instável na confusão disponível. E vai ficando.

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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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