terça-feira, 14 de julho de 2015

Marta Arretche - Soluções fáceis à procura de problemas difíceis

Valor Econômico

• Impeachment virou o remédio para todos os males

Por quais caminhos uma sociedade se protege dos males da corrupção, da exclusão social e da instabilidade institucional? Variantes modernas do determinismo geográfico, à la Montesquieu, diriam que há uma fronteira para este destino. Nos países quentes, sob a influência do clima, o vício predominaria sobre a virtude no espírito dos homens. Assim sendo, é razoável admitir que a decisão de votar com os pés, migrando para países cujas instituições tenham sido forjadas pela neve, seja uma solução racional à constatação de perceber-se condenado ao trágico destino do mau governo.

O conhecimento acumulado sobre a história das instituições mostra, contudo, que o sucesso deste tipo de explicação se deve principalmente ao fato de atribuir causas simples a problemas complexos. Na trajetória dos países, o enfrentamento destes males está associado a uma combinação de instituições e políticas. Deslocamentos incrementais, avanços e recuos, políticas de longo prazo, a violenta reação de interesses afetados melhor descrevem as trajetórias bem-sucedidas do que a mágica da evolução linear produzida por qualquer fator isolado. Acemoglu e Robinson, em "Why Nations Fail", prognosticam ainda maior incerteza: esta eventual transição seria contingente, o que quer dizer que nenhuma condição seria suficiente para que venha a acontecer.

Na história recente do Brasil, ainda há boas razões para concluir que o impeachment de Collor e posse de Lula tenham sido os últimos testes à consolidação da democracia. A estabilidade institucional e a competição política criaram condições favoráveis para a adoção e continuidade de políticas orientadas a permitir a inclusão social e o controle dos cidadãos sobre os governos. Muitas dimensões relevantes das desigualdades foram de fato reduzidas, o que demonstra que não há determinismo geográfico que impeça que questões sociais sejam paulatinamente enfrentadas. Por outro lado, é desnecessário ocupar este espaço tão limitado para desfiar a longa série de problemas sociais que estão na fila de espera de soluções governamentais, contemporaneamente agravados pelo medo da inflação e das consequências do ajuste fiscal. O mesmo pode ser dito com relação ao controle dos cidadãos sobre os governos. A sucessão de escândalos de corrupção não é explicada pelo agravamento do problema, mas, sim, pelo aumento da eficiência na investigação e nos recursos de que dispõem os órgãos de controle.

A imensa - e aparentemente insuperável - sensação de desconforto provocada pela parte vazia do copo gera oportunidades para que soluções - fáceis apenas na aparência - sejam colocadas na agenda. Sua aceitação não requer consistência entre causas identificadas e efeitos esperados. Um clássico da ciência política - "Agendas, Alternatives, and Public Policies", de John Kingdom mostra que, na formação da agenda, não existem problemas em busca de soluções, mas soluções à procura de problemas! "Empresários" de soluções articulam causas de problemas à solução que advogam. A oportunidade se abre quando, ao prévio trabalho de persuasão, se agregam eventos políticos que requerem respostas imediatas. Passado este momento, as atenções da mídia se voltam para novos temas e o desenho concreto das soluções passa para as mãos dos operadores.

Esta operação de simplificação já creditou à reforma política o condão de nos conduzir ao paraíso, simplificação esta que vem sendo exposta pela discutível condução de sua tramitação na Câmara dos Deputados. Em Dilma II, o processo de impeachment entrou para o rol destas soluções aparentemente fáceis. Mais uma vez, trata-se de uma solução à procura de evidências. A solução é uma constante. As razões para um impeachment, por sua vez, se alternam à medida que novas oportunidades vão se apresentando.

A versão "junho/julho de 2015" desta solução tem, contudo, escassa possibilidade de vir a ser aprovada pelo Congresso. É um equívoco afirmar que se trata de um golpe. Sua aprovação requer uma tramitação segundo a qual uma maioria de 342 deputados para a abertura do processo mais uma maioria de 54 senadores seriam necessárias. Não tem, portanto, chances de ser aprovada sem o apoio do PSDB e do PMDB. Dificilmente mobilizará o apoio maciço destes partidos, contudo, porque apenas um dos potenciais candidatos do PSDB à Presidência seria beneficiado pela antecipação das eleições. Os cálculos eleitorais dos demais candidatos do PSDB dependem da manutenção da presidente Dilma no cargo. O PMDB está, como de hábito, publicamente dividido. É muito pouco provável, portanto, que esta maioria venha a ser construída no curto prazo, dados os distintos cálculos eleitorais de atores-chave para o sucesso da empreitada.

O fato, contudo, é que uma parte do eleitorado não apenas quer o afastamento da presidente, mas revelou-se disposto a sair às ruas para vocalizar esta preferência. Em parte por baixa adesão aos valores democráticos, em parte por acreditar que soluções fáceis podem resolver problemas complexos, em parte porque a própria presidente e seu partido não se ajudam, o fato é que parte da opinião pública credita à imediata troca de comando da Presidência o condão de produzir imediato controle da inflação, aumento do gasto público, eliminação da corrupção no curto prazo... e por aí vai.

Não é, portanto, na arena parlamentar que jogam os empresários do impeachment. Muito menos na expectativa de que um encurtamento do atual mandato presidencial resulte em alternativas à atual política macroeconômica ou à condução das investigações de corrupção. Nestas frentes, à esta altura, a margem de manobra é muito pequena. Logo, a solução impeachment permanece como um jogo na arena eleitoral, cada vez menos como terceiro turno e cada vez mais como estratégia para preservar as conexões com esta parcela do eleitorado. Se assim é, o risco no curto prazo não é de estabilidade institucional, mas de encontrar meios para atender àquela lista de espera.

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Marta Arretche é professora titular do Departamento de Ciência Política na USP, diretora do Centro de Estudos da Metrópole

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