quinta-feira, 23 de julho de 2015

Merval Pereira - Sem tempo

- O Globo

Nunca ficou tão claro o pensamento do ministro Joaquim Levy sobre as condições de nossa economia quanto agora, quando teve que enfrentar a realidade de não ser possível realizar o superávit primário com que se comprometera. Avisou aos navegantes que essa derrota momentânea não significa que o ajuste fiscal tenha sido superado, ao contrário.

Quanto mais demorar o ajuste, mais vai ser necessário cortar. Essa discussão sobre o superávit primário reflete bem o afastamento entre aquele encarregado oficialmente de comandar a economia e os que supostamente fazem parte da base política do governo, e deveriam dar a ele as condições para que o ajuste fiscal fosse realizado.

O ministro Joaquim Levy foi aconselhado inutilmente a não se meter nessa tarefa, pois não fazia parte da grei que está no poder. Houve uma ocasião em que um amigo economista relacionou diversos nomes - Vaccari, Gleisi, Ideli, Mercadante, Berzoini, Rossetto, Edinho - e perguntou a Levy se ele fazia parte dessa turma.

Por vaidade, interesses pessoais ou puro patriotismo, Levy assumiu a tarefa de reequilibrar a economia, e agora se vê às voltas com um apoio congressual pífio e, mais que isso, no meio de um tiroteio em que ninguém é de ninguém. Balas perdidas cortam os ares brasilienses, e a qualquer momento é possível que vítimas surjam do nada.

Todos atiram contra todos, como na famosa cena do filme de Tarantino "Cães de aluguel", e todos morrem no final. A referência é muito comum nos dias de hoje em Brasília. A impossibilidade de realizar um superávit primário de 1,1% do PIB já era prevista desde que o ministro Levy assumiu esse compromisso ao tomar posse no Ministério da Fazenda sem a presença da presidente Dilma, lembram-se?

Se já era difícil em situação normal, a tarefa mostrou-se impossível com o correr do tempo, quando se verificaram o empenho da base aliada em livrar a própria cara, diante da impopularidade do governo Dilma; e a disposição da oposição de fazer o jogo do quanto pior, melhor, a fim de escancarar a impossibilidade de o governo ter o mínimo controle da situação.

Uma tática de que o PT se utilizara com sucesso em anos a fio de oposição, mas que o PSDB sempre rejeitara. Tanto que o fim do fator previdenciário, aprovado com o apoio maciço dos tucanos, alertou seu próprio eleitorado de que aquela farra com o dinheiro público não era a maneira correta de fazer oposição ao governo, transformava-se em oposição ao país.

Dilma parece convertida momentaneamente à tese da necessidade do equilíbrio das contas, tanto que foi a última a aceitar a mudança da meta. Para os otimistas, um superávit primário de 0,15% do PIB é melhor do que o déficit registrado no ano passado, o que não deixa de ser verdade.

Mas a desistência de realizar um superávit, e adiar a meta para o próximo ano, e mesmo assim reduzindo a meta previamente anunciada também em 2016, pois é disso que se trata, não dá boa referência para os rumos da economia.

Como Dilma continua assumindo oficialmente a desculpa de que a economia está sofrendo reajustes devido aos problemas internacionais, mas voltará logo a crescer, não é provável que tenhamos um governo sério por muito tempo. A "nova matriz econômica" que provocou toda esta crise parece ser ainda uma ameaça para quando as contas estiverem equilibradas. Desse ponto de vista, é até uma sorte que a solução aguardada vá demorar mais um pouco.

Com o atraso das medidas, é provável que Dilma não tenha nem mesmo tempo para tentar retomar suas antigas teses econômicas. No tempo que lhe resta de governo, e ninguém, nem mesmo ela, sabe quanto é isso, vai ficar aos trancos e barrancos tentando se equilibrar entre a necessidade de ser responsável fiscalmente e a tentação de retomar o caminho que ainda lhe parece mais correto.

Mas, como o vice Michel Temer já disse que, em um eventual governo seu, o ministro da Fazenda será Levy, temos tempo para pensar. O país terá esse tempo?

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