terça-feira, 14 de julho de 2015

Míriam Leitão - Alívio e dúvida

- O Globo

A primeira sensação foi de alívio com o acordo da Grécia após a reunião-maratona na Europa. Depois, veio a dúvida se o preço da Grécia ficou alto demais e, portanto, se o acordo é sustentável. O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, enfrenta resistência em casa por ter aceitado o que rejeitara, mas a chanceler Angela Merkel também teve que ceder da proposta feita, de expulsão temporária.

A proposta da Alemanha era muito ruim. A saída da Grécia por cinco anos da zona do euro não tinha amparo no tratado do bloco e teria efeitos previsíveis: todos perderiam. Os credores enfrentariam o calote. Por que e como pagar ao clube do qual você foi expulso? Na Grécia, haveria uma devastação econômica, se fosse reintroduzida uma moeda fraca e temporária como a dracma. O mistério é como a Alemanha, que viveu todas as consequências de um processo de rejeição da moeda, pode ter tido ideia tão desatinada. A Alemanha tentou melhorar a proposta, oferecendo uma ajuda humanitária, pós-expulsão, o que levou a França a reagir, dizendo que a Grécia precisava de um acordo e não de caridade.

Se o leitor quiser fazer um exercício de quem tem razão, descobrirá que ambos têm. A Alemanha dirá que já emprestou muito, aceitou uma redução de dívida, e este é o terceiro acordo com a Grécia. Por outro lado, a Grécia poderá dizer que em cinco anos fez muito esforço, tentou cumprir o combinado, teve sucesso pontual, mas sua dívida cresceu de 108% para 170% do PIB. O presidente francês, François Hollande, quis encontrar um meio termo, que resumiu na frase: "Não à austeridade sem crescimento; não ao crescimento sem austeridade."

O problema é que não basta ter razão no caso grego, é preciso encontrar uma solução que funcione. Conhecemos a luta entre credores e devedores. O Brasil foi considerado "caloteiro" até que os bancos e governos credores foram convencidos, num inteligente processo de negociação, a conceder um grande desconto em troca do esforço brasileiro para pagamento da dívida. Deu certo, e nos livramos da herança deixada pelos governos militares na negociação liderada pelo economista Pedro Malan, no início dos anos 90.

Mais dramáticos são os exemplos históricos vividos pela Alemanha. Quando a dívida de guerra imposta foi alta demais, ela entrou em colapso econômico e político. A França tinha direito de confiscar a produção de aço dos alemães, caso eles não pagassem. O fim da história todos sabem: hiperinflação, nazismo, Segunda Guerra. Depois disso, os vencedores ofereceram um acordo com perdão de dívida e incentivos ao crescimento, a despeito do horror da divisão do país.

A Alemanha pode dizer que cedeu neste fim de semana, porque queria que o fundo de ¬ 50 bilhões com lastro de ativos gregos fosse administrado pela Europa, mas acabou ficando sob supervisão grega. Os contribuintes alemães podem reclamar de um novo empréstimo de ¬ 86 bilhões a quem não tem capacidade de pagar a dívida atualmente.

Os gregos podem dizer que eles votaram vigorosamente pela rejeição daqueles termos do acordo e agora o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, concordou com quase tudo.

O problema mais aflitivo agora é quando e como abrir os bancos gregos. Pode-se imaginar a agonia de viver o cotidiano com bancos fechados por duas semanas. A nova data para a reabertura é quarta-feira, embora ainda não exista garantia de que isso vá acontecer. É natural, em momento assim, que haja uma corrida bancária tão logo as portas se abram. Só um acordo forte, com empréstimo imediato, poderia evitar a corrida. Quanto maior a dúvida sobre a sustentabilidade do acordo, maior será o impulso do cidadão grego de raspar a sua conta bancária. O não pagamento ao FMI ontem, pela segunda vez em poucas semanas, aumenta essa sensação de insegurança.

Tsipras, ao fechar os bancos, sair da negociação e convocar o referendo, fez uma aposta de alto risco, que já afetou a economia grega. Merkel, ao endurecer tanto o jogo, pode não ter agradado nem aos gregos nem aos alemães. Tudo vai bem quando acaba bem, mas ontem a sensação é de que nada havia acabado ainda. Agora, falam os parlamentos. A análise do que foi concedido por ambos os lados pode eliminar a sensação de alívio e confirmar o ambiente de dúvidas que cerca a economia da Grécia e o futuro da Europa.

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