sexta-feira, 10 de julho de 2015

Papa critica capitalismo em sua fala mais política

Papa pede mudança na estrutura mundial

• Em discurso de forte tom político na Bolívia, Francisco exorta o povo a promover transformações e critica sistema

• Pontífice pede perdão pelos crimes cometidos pela Igreja Católica contra os indígenas na colonização da América

Fabiano Maisonnave (Enviado especial) – Folha de S. Paulo

SANTA CRUZ DE LA SIERRA (BOLÍVIA) - No discurso mais político de seus mais de dois anos de pontificado, o papa Francisco defendeu nesta quinta (9), durante visita à Bolívia, uma "mudança de estruturas" mundial e chamou o capitalismo de "ditadura sutil".

Falando em encontro com movimentos sociais em Santa Cruz de la Sierra após o presidente Evo Morales, o papa os chamou a realizar "três grandes tarefas" na economia, na união entre os povos e na preservação ambiental.

"Reconhecemos que este sistema impôs a lógica dos lucros a qualquer custo, sem pensar na exclusão social ou na destruição da natureza?", perguntou o papa a centenas de ativistas, entre os quais o MST, sem-teto, indígenas e quilombolas brasileiros.

"Digamos sem medo: queremos uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema já não se aguenta, os camponeses, trabalhadores, as comunidades e os povos tampouco o aguentam. Tampouco o aguenta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia são Francisco", completou.

Para o papa, a "globalização da esperança" nasce e cresce entre os pobres, mas até a elite quer mudanças: "Dentro dessa minoria cada vez menor que acredita que se beneficia deste sistema reinam a insatisfação e especialmente a tristeza. Muitos esperam uma mudança que os libere dessa tristeza individualista que os escraviza."

Em outra crítica à "ditadura sutil" do capitalismo, disse que "atrás de tanta dor, morte e destruição está o fedor disso que [são] Basílio de Cesareia (330-379) chamava "o esterco do Diabo" [dinheiro]".

Tarefas
O líder católico atacou também "a concentração monopólica dos meios de comunicação social que pretende impor pautas alienantes de consumo e certa uniformidade cultural". Para ele, trata-se de "colonialismo ideológico".

Apesar da análise dura, Francisco advertiu contra o excesso de pessimismo e exortou os movimentos sociais a protagonizarem mudanças: "O futuro da humanidade está em suas mãos."

Em seguida, o papa propôs três tarefas aos movimentos.

A primeira é "pôr a economia a serviço dos povos" para assegurar os "três Ts: trabalho, teto e terra". "A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a administração correta da casa comum", disse.

"A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano é dever moral. Para os cristãos, um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres o que lhes pertence."

Para a segunda tarefa, "unir nossos povos no caminho da paz e da justiça", ele defendeu o conceito de "pátria grande" usado por movimentos de esquerda para pregar a união latino-americana.

Francisco afirmou que problemas como a violência não podem ser resolvidos sem cooperação. Mas advertiu: "Colocar a periferia em função do centro lhe nega o direito ao desenvolvimento integral. Isso é iniquidade e gera tal violência que não haverá recursos capazes de deter."

Por último, pediu a preservação da "Mãe Terra", ecoando sua encíclica mais recente: "Não se pode permitir que certos interesses --globais, mas não universais--submetam Estados e organismos internacionais e continuem destruindo a criação".

Desculpas
Visitando um país de maioria indígena, o papa pediu desculpas pelo ação da Igreja Católica na colonização.

"Foram cometidos muitos e graves pecados contra os povos originários da América em nome de Deus", disse, sob intensos aplausos. "Quero ser muito claro, como foi são João Paulo 2°: peço humildemente perdão."

Ao final, conclamou todos a não deixarem "nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania". "Sigam a sua luta e, por favor, cuidem muito da Mãe Terra."

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