sábado, 8 de agosto de 2015

Alberto Carlos Almeida - Agosto, que seja sem rima

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Desde criança somos acostumados a construir uma determinada percepção dos meses do ano, em conexão com datas específicas e estações. Assim, no Hemisfério Sul os meses quentes de verão são dezembro, janeiro e fevereiro. Janeiro é mês de férias e fevereiro tem Carnaval. Maio é o mês das mães e das noivas. Junho tem festa junina. O frio de julho faz parte da vida dos brasileiros do Sul e Sudeste, e no litoral do Nordeste é o mês das chuvas. Em julho vêm as férias de inverno - mais curtas que as de verão, utilizadas pelos mais aquinhoados para aproveitar o verão do Hemisfério Norte, e pela classe média para curtir o frio de alguma região serrana no Brasil.

Fevereiro e agosto são os meses de retorno à vida normal, pós-férias, quando a maioria dos pais acompanha a volta dos filhos à escola e retomam sua rotina. Mas ninguém concebe fevereiro e agosto como meses equivalentes, embora sejam os meses da volta do recesso parlamentar. É impossível considerar fevereiro e agosto semelhantes simplesmente porque marcam o fim das férias escolares. Fevereiro é o mês mais quente do ano, é o alto verão. Tem Carnaval. Além disso, o ano está apenas começando. Em fevereiro, as esperanças e ilusões que temos com relação ao que pode acontecer de bom no ano são muitas.


Agosto é bem diferente. Não há festividades, nem Natal, nem Carnaval, nem dia da mentira, nem Dia da Pátria, nem Dia das Mães. Há o Dia dos Pais, quase como um prêmio de consolação para um mês, cujo nome rima com desgosto. Daí o dito popular de que é o mês do desgosto.

Do ponto de vista do governo, fevereiro foi um mês de muito desgosto. Foi quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) derrotou Arlindo Chinaglia (PT-SP) e foi eleito presidente da Câmara dos Deputados. Já naquele mês, Cunha passou a liderar uma agenda de votação contrária aos interesses do governo. A proposta de emenda à Constituição nº 475, a chamada PEC da bengala, retirou das mãos da presidente Dilma a prerrogativa de indicar nada mais nada menos do que cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o presidente da Câmara fosse alguém que apoiasse o governo dificilmente uma medida dessa natureza teria entrado na agenda legislativa. Cunha, já em fevereiro, decidiu mostrar que iria limitar os poderes de Dilma.

Aliás, a PEC da bengala foi a pior derrota que o governo sofreu no primeiro semestre. No segundo turno da votação da emenda, foram 333 os votos contrários aos interesses do governo, 144 a favor e 11 abstenções. Note-se que 333 votos equivalem a 65% dos 513 deputados, 1% a menos do que dois terços. Isso indica como seria difícil obter a maioria necessária para dar início a um processo de impeachment.

Poucos chamam atenção para o fato de que o governo foi capaz de, no primeiro semestre, aprovar várias medidas de corte de gastos, o tão necessário ajuste fiscal. Não existe medida mais difícil para os governos, sejam governos petistas no Brasil, governos europeus ou mesmo americanos, do que aprovar redução de gastos. Aprovar um ajuste fiscal é um dos mais difíceis testes de maioria parlamentar para qualquer governo que seja, e o governo Dilma passou nesse teste. Poucos os analistas sublinham esse feito. A grande maioria afirma que o ajuste aprovado foi muito modificado. Pode-se ficar horas e dias discutindo o que significa ser muito ou pouco modificado.

O fato é que iniciativas legislativas do Poder Executivo - todas, e não apenas medidas de redução de gastos - tendem a ser modificadas na Câmara e no Senado. Isso aconteceu agora, assim como nos governos Lula e Fernando Henrique. Deputados e senadores representam o povo e por isso sua voz se faz valer no processo legislativo e decisório. Trata-se de uma obviedade esquecida toda vez que se critica o governo ou quando o Palácio do Planalto não consegue evitar modificações em projetos de lei e medidas provisórias enviadas para o Poder Legislativo.

Em que pese a capacidade do governo de aprovar as medidas de redução de gastos, o primeiro semestre foi de aguda crise política. O desgosto governamental com a eleição de Eduardo Cunha continuou com as manifestações de 15 de março. A redução da atividade econômica e o noticiário com escândalos de corrupção levaram a uma queda acentuada da popularidade do governo. Um governo menos popular resulta em parlamentares menos colaborativos.

São muitos os ingredientes da crise e um deles está fora do controle dos políticos. Aliás, cabe aqui um parêntesis: os políticos, em geral, acreditam que controlam muito mais do que realmente controlam. A atuação da polícia, do Ministério Público (MP) e do Judiciário está totalmente fora do controle dos políticos, ou quase isso. Cunha está sendo investigado. O presidente da Câmara se queixa publicamente do governo, em cuja alçada, a seu ver, estaria conter investigações ou processos judiciais. Por outro lado, o escândalo do mensalão, que eclodiu em 2005, foi investigado durante o governo Lula e teve seu desfecho no governo Dilma. É evidente que o governo do PT teria feito isso em relação ao mensalão, se pudesse controlar processos dessa natureza. E, diga-se de passagem, estaria fazendo agora em relação à operação Lava-Jato.

Cabe indagar o que o governo pode fazer para deter uma investigação. É difícil imaginar uma reunião solicitada pelo ministro da Justiça ao superintendente da Polícia Federal, na qual o ministro pediria que não se investigasse ou coletasse provas. Depois dessa reunião, o chefe maior da polícia teria que passar a solicitação adiante, e adiante, e adiante, de tal maneira que os agentes federais encarregados do trabalho final de investigação se abstivessem de fazê-lo. Esse comando não poderia vazar, sob pena de se tornar (mais) um imenso escândalo. Além disso, seria preciso combinar com outras polícias e com o Ministério Público, para que se comportassem da mesma maneira. Em suma, uma cadeia de comandos tão improvável quanto absurda.

O grande fator de desgosto para o governo é não ter um presidente da Câmara que o apoie - isso, desde 1º de fevereiro de 2015. Mas este presidente vem sendo investigado e, ao que tudo indica, em agosto será denunciado junto ao STF. O STF poderá recusar ou aceitar a denúncia. Caso aceite, Cunha se tornará réu. Caso isso ocorra, será muito grande a pressão política sobre ele, para que se afaste da presidência da Câmara. Não será nada bom para seus pares terem um presidente formalmente acusado. Adicione-se o eventual noticiário. Não se sabe exatamente quais as acusações e provas que as fundamentam. O que sabemos é que as investigações vêm sendo bem criteriosas e têm levantado sólidas evidências de crimes.

Por outro lado, há vários pedidos de impeachment na mesa da Câmara dos Deputados, que podem ou não vir a ser apreciados - decisão da alçada exclusiva Cunha. Em breve, o Tribunal de Contas da União (TCU) deverá se pronunciar oficialmente sobre as contas do último ano do primeiro mandato do governo Dilma. Caso as rejeite, há quem acredite que a decisão servirá de justificativa para dar início ao pedido de impeachment de Dilma.

O presidente da Câmara tem perfil de lutador, de alguém que, quando apanha, dá o troco. Nos dias que antecederam o recesso parlamentar, em função das denúncias vazadas na imprensa, ele rompeu com o governo. Além disso, já criticou publicamente tanto o juiz Sérgio Moro quanto o Ministério Público. Tudo indica que em breve a CPI do BNDES iniciará seus trabalhos. Se isso ocorrer, terá sido uma resposta de Cunha ao que ele considera perseguição do governo. Ele vem dando sinais claros de que é capaz não apenas de aceitar, mas de ser ele mesmo o motor de uma escalada de conflitos do Congresso com o governo.

Todo conflito é desgastante, ainda mais quando é público, contínuo, crescente e envolve o governo. Há muitos indícios de que agosto será um mês de conflitos crescentes entre Cunha e o governo. Conflitos crescentes são insustentáveis no longo prazo. A tendência é que diminuam em algum momento, em função de um desfecho qualquer.

Ainda que a eventual denúncia contra Cunha nada tenha a ver com ações do Poder Executivo, o resultado de conflitos crescentes pode ser o enfraquecimento político do presidente da Câmara em função do que será divulgado pela imprensa quando a denúncia contra ele for formalizada. Tal enfraquecimento poderá resultar no afastamento de Cunha de suas funções. Há uma segunda possibilidade, a de que Cunha vença a queda de braço e coloque em votação, com sucesso, a abertura do processo de impeachment de Dilma. A probabilidade de que isso ocorra, no momento, é baixa. Uma terceira possibilidade é que os conflitos retornem aos mesmos níveis do semestre passado. Nesse caso, Cunha permaneceria forte e em seu cargo, mas abandonaria a atual posição política de oposição radical ao governo.

Eleitores, trabalhadores, empresários, habitantes de São Paulo, nordestinos, aqueles que votaram em Dilma em 2014, os que votaram em Aécio, os eleitores de Marina, a sociedade de um modo geral nada têm a ver com a atual escalada de conflitos. Todos perdemos, e muito. O que queremos é uma redução dos conflitos da forma menos traumática possível. Esperamos que nossos líderes sejam capazes de viabilizar - para nosso gosto, em agosto - uma saída dessa natureza.

Veja no infográfico que o voto "sim" significa votar contra os interesses do governo e "não" significa estar a favor.
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Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de “A Cabeça do Brasileiro” e “O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo”


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