quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Cristiano Romero - O que fazer diante do fracasso do ajuste?

- Valor Econômico

• Ex-secretário Márcio Holland propõe plano fiscal de longo prazo

Em 2008, no auge da recente crise mundial, o Brasil pôde adotar, pela primeira vez, medidas anticíclicas para enfrentar os efeitos do inevitável contágio da turbulência. Fez isso, tanto na área fiscal quanto na monetária, sem colocar em risco duas conquistas históricas: a estabilidade de preços e a solvência das contas públicas, esta expressa no grau de investimento obtido naquele ano junto às agências de risco.

A crise não se mostrou uma "marolinha", mas foi notável ver como o país saiu rapidamente dela - a recessão durou apenas dois trimestres e, em 2010, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 7,6%, a maior taxa de expansão dos últimos 28 anos. Cinco anos depois, a inflação praticamente dobrou, o crescimento desapareceu, o déficit público triplicou e, agora, é real a chance de a economia perder o grau de investimento.

No triênio 2014-2016, o PIB pode ter crescimento negativo anual médio de 0,5%, segundo a mediana das opiniões do mercado captadas pelo Banco Central (BC) por meio do boletim Focus. E o pior é que essa projeção é considerada "otimista" por analistas que costumam acertar previsões com assiduidade.

O Brasil enfrenta neste momento um problema fiscal, inflação pressionada e baixo crescimento. Diante da forte desaceleração da atividade, o ajuste fiscal desenhado pelo governo está fracassando porque nem o mais pessimista dos analistas imaginava que o PIB fosse recuar tanto e promover tal estrago na arrecadação - de janeiro a junho, as receitas federais tiveram queda real (já considerado o efeito da inflação) de 2,87% em relação ao mesmo período do ano passado. Como, além disso, não está fácil cortar gastos - por causa da velha rigidez orçamentária e de despesas discricionárias que aumentaram muito nos últimos anos e que são politicamente difíceis de comprimir -, o governo foi obrigado a reduzir drasticamente a meta de superávit primário (de 1,1% para 0,15% do PIB).

O abandono forçado da meta colocou o país no rumo da perda do grau de investimento, medida que, por si só, representaria um retrocesso, na área fiscal, de quase três décadas, uma vez que a conquista desse status representou a superação da crise da dívida do início dos anos 80. Mais do que isso: a assunção do fracasso do ajuste, pela equipe econômica, acrescentou incerteza e desesperança ao cenário. O Brasil parece estar sem rumo.

Diante do indiscutível malogro da estratégia tradicional de enfrentamento do choque que estamos vivendo, o que fazer? Dentro do governo, o corte da meta foi visto como um elemento facilitador da recuperação da atividade. Em conversa há poucos dias com a colunista Angela Bittencourt, do Valor, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, declarou que, "sem crescimento, não há como sustentar nem mesmo o equilíbrio fiscal". Barbosa deixa claro, com isso, que a expansão do PIB não é um fima ser alcançado após a solução dos problemas, mas, sim, um meio para se resolver os problemas.

O debate está apenas começando. O ex-secretário de Política Econômica Márcio Holland acaba de dar uma bela contribuição. Nos últimos meses, depois de deixar o governo, ele atuou, em Nova York, como professor-visitante da prestigiosa Universidade de Columbia. Lá, produziu um estudo intitulado, em inglês, "Política Fiscal no Brasil: boas e más notícias". Seu propósito foi analisar os efeitos dinâmicos da política fiscal, entre 1997 e 2004, sobre a atividade econômica, mais especificamente, quando o PIB caiu abaixo do seu nível potencial.

O documento é interessante sob vários aspectos. Procura iluminar, com rigor acadêmico e a visão de quem estava em Brasília, a gestão (de 2011 a 2014) acusada de ser a responsável pelo descarrilhamento da confiança de empresários e consumidores na economia brasileira. Holland não fez a pesquisa para se defender das críticas. No texto, ele diz que o debate sobre as razões que derrubaram o PIB nos últimos anos prossegue, mas cita fatores que acredita terem contribuído para isso - entre eles, o choque monetário, o aumento de impostos, os escândalos de corrupção, a crise da Petrobras e das grandes empreiteiras, a exaustão do modelo de crescimento baseado no consumo e a Copa do Mundo.

Holland não participou da maquiagem das contas públicas promovida pelo Ministério da Fazenda em 2013 e 2014. A bem da verdade, nesse período ele elaborou, com sua antiga equipe, mais da metade do pacote fiscal apresentado, no início do ano, pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. São de sua lavra as propostas de mudança nas regras do seguro-desemprego, do abono salarial, do auxílio-doença e das pensões por morte, medidas que só não foram adotadas antes porque a presidente Dilma Rousseff já estava sob a égide da campanha reeleitoral.

Agora, longe de Brasília e baseando-se nos achados empíricos de sua pesquisa na Columbia e nas lições que o ajuste atual já projeta, Holland propõe um programa fiscal de longo prazo, com cinco ações:

1) em vez de aplicar um choque fiscal, o governo deveria anunciar um plano plurianual baseado nas despesas e não no aumento de impostos; o programa deve ser comunicado com compromissos claros e as metas de superávit primário devem ser tomadas como um meio, muito mais do que como um objetivo a ser atingido; a política monetária deve perseguir a meta de inflação e só deve se tornar acomodatícia depois que a política fiscal for vista como uma âncora, com resultados recorrentes;

2) adoção de uma nova moldura institucional, incluindo a criação de um conselho fiscal independente e o estabelecimento de metas plurianuais para a relação dívida-PIB. A introdução de uma banda de tolerância para a meta fiscal seria bem-vinda;

3) o programa deve se basear em corte de despesas, muito mais do que em elevação de impostos; deve adotar-se uma ampla agenda de reformas para todo o sistema de previdência e outros benefícios sociais, inclusive, com alterações no financiamento do ensino superior;

4) o governo deve melhorar a relação entre Estado e setor privado e as estatais devem realizar alianças privadas estratégicas no mercado [como já faz o Banco do Brasil]. "O principal propósito de tais recomendações é reequilibrar o amplo espectro do envolvimento do Estado na economia";
5) deve ser fixada regra de longo prazo para o gasto público: ele não pode exceder a variação anual do PIB nominal.

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