quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Elio Gaspari - O olho da crise está no bunker

• ‘Dilma sai’ e ‘Dilma fica’ simplificam o problema, embaralham as cartas e escondem a essência
das dificuldades

- O Globo

Tendo produzido uma crise econômica e política, a doutora Dilma e o PT mostram-se dedicados a agravá-la. Chamaram Joaquim Levy para cuidar das contas e puxam-lhe o tapete. Chamaram Michel Temer para cuidar da articulação política e cortaram-lhe as asas. Nos dois casos, os doutores contribuíram para a própria fritura. Levy esqueceu-se de traçar a linha da qual não recuaria. Temer saiu-se com a sibilina declaração de que se precisava de “alguém que tenha capacidade de reunificar a todos”. ( Ele?) Por mais que esses episódios tenham feito barulho, não justificam a encrenca que deles resultou.

Antagonismos fazem parte da rotina de qualquer governo, em qualquer época. O que distingue a barafunda da doutora Dilma é a sua capacidade de criar novos problemas magnificando os velhos. O governo não demorou para perceber a gravidade da crise econômica que alimentou; tentou negá-la, e deu no que deu.

A crise política tem duas peculiaridades. Uma vem do PT, a outra é de Dilma. O PT não faz alianças, recruta súditos, ou sócios. Dilma, por sua vez, chegou à Presidência da República sem jamais ter vivido o cotidiano de um parlamento.

A experiência parlamentar parece uma trivialidade, até um desdouro. Não é bem assim. Tome-se o exemplo de dois hierarcas do Executivo: Delfim Netto e Roberto Campos. Como czares da economia, mandaram como ninguém. Foram para o Congresso e viraram outro tipo de pessoa, mais tolerantes, livres de algumas certezas que o poder lhes dera. No Executivo, o sujeito acha uma coisa, manda fazer e ponto final. O trem-bala, por exemplo. No Congresso, o mesmo sujeito vai para uma reunião, expõe seu ponto de vista e é contraditado por outro parlamentar, um idiota, talvez ladrão. Deverá ouvi-lo respeitosamente e habituar-se a perder calado, caso seu adversário consiga mais votos que ele. No palácio, manda quem pode e obedece quem tem juízo. No Congresso, manda quem tem maioria.

A falta de experiência parlamentar (o caso de Dilma) ou a incapacidade de preservar alianças (o caso do PT) influi no metabolismo dos palácios, transformando-os em bunkers: “Nós estamos certos e todos os outros estão errados.” Em seguida, dentro do bunker, estabelece-se uma competição de egos.

“Eu estou certo e meu rival dentro do governo é a causa de todos os males.”

Desgraçadamente, uma vez criada a mentalidade do bunker, o mundo em volta deixa de ter importância. Briga-se pela briga. O exemplo extremo dessa patologia pode ser encontrado no bunker mais famoso de todos os tempos, o da Chancelaria do III Reich, em 1945. Aquilo é que era bunker, a oito metros de profundidade. Hitler e seu “núcleo duro” enfurnaram-se nele em janeiro e de lá o Führer comandava sua guerra, tendo Martin Bormann como seu braço- direito. Velho rival do espalhafatoso marechal Hermann Goering, no dia 25 de abril Bormann teve o seu momento de esplendor e conseguiu demiti- lo de todos os cargos, expulsando- o do partido.

Os russos estavam a poucos quarteirões de distância. No dia 30 de abril, o Führer matou-se e uma semana depois o poderoso Bormann deixou o bunker. Enfim vencera, fora designado testamenteiro de Hitler e chefe do Partido Nazista. Morreu na rua, a pouca distância do bunker.

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Elio Gaspari é jornalista

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