segunda-feira, 10 de agosto de 2015

José Roberto de Toledo - Pós-Cunha, pós-Dilma

- O Estado de S. Paulo

Pela narrativa predominante na opinião pública, o governo é ruim/péssimo (71%, segundo o Datafolha) e deveria ser aberto processo de impeachment contra a presidente (66%). Nesse roteiro, a maioria ainda não crê que ela será afastada (53%), mas cresce a parcela dos que apostam no afastamento, de 29% para 38% desde abril. A pesquisa não questiona o que a população acha que ocorreria depois, se Dilma Rousseff for destituída do cargo.

Essa é a pergunta que vai determinar o destino da presidente. Passa pela opinião pública, mas não é ela quem vai dar a resposta definitiva. Se dois terços dos deputados acharem que o dia seguinte será menos pior - e não importa se de fato seja -, Dilma desocupará o Palácio da Alvorada antes do fim do mandato. Qual será o motivo formal, o Fiat Elba da vez, é irrelevante.

Subjacente à defesa do impeachment há um discurso segundo o qual o problema tem nome e CPF: Dilma. Bastaria tirá-la de cena para que todo o resto, mais cedo ou mais tarde, se arranjasse. É como se todos a bordo de um avião em queda acreditassem que a mera troca do piloto evitaria o desastre. Porque o copiloto seria hábil o suficiente para conter o motim da tripulação (deputados e senadores) e consertar o motor em pane (a economia). Quem crê no copiloto salvador incensa o vice, Michel Temer.

Estão nesse time alguns dos principais caciques do PMDB, como Eduardo Cunha - o presidente da Câmara dos Deputados também ameaçado de cassação por causa da denúncia de um delator. O mais curioso é que foi justamente o PMDB de Cunha que incentivou o motim da tripulação e sabotou o conserto do motor da aeronave. Impediu o mecânico Joaquim Levy de cortar o combustível que alimenta o fogo e ainda criou outros focos de incêndio.

Essa parte é especialmente interessante. Há poucos meses, quando Levy era o salvador, as restrições que se faziam à sua escolha diziam respeito a como seria sua relação com Dilma. Se ela deixaria Levy trabalhar e se bancaria as medidas impopulares que ele teria que tomar. Deixou e bancou. Mesmo assim, está ameaçada de cair. O problema era outro: um sistema político em que, quando o presidente está fraco, os lobbies sequestram o Congresso e transformam a soma das partes em múltiplo do todo.

De volta ao avião. Se o copiloto assumir o comando, terá sido graças a Cunha. Temer deverá o cargo a ele. Logo, para continuar acreditando que o vice evitará a queda do avião deve-se crer também que o fortalecimento ainda maior do presidente da Câmara o transformará de incendiário em bombeiro. Que Cunha refreará a ação de lobbies no Congresso e passará a apoiar as investigações do juiz Sérgio Moro e da Procuradoria-Geral da República.

Quem acredita na conversão repentina de Cunha lembra que quase nenhum dos focos de incêndio que ele criou com sua pauta-bomba na Câmara explodiu de fato. Dependem de um 2.º turno de votação para terem efeito. Logo, ninguém melhor do que ele para desarmar as armadilhas que criou. É o sapo crendo no escorpião.

Há outra corrente, minoritária, que quer ejetar o piloto e o vice juntos. O impeachment duplo provocaria a convocação de novas eleições em três meses. Nesses 90 dias, porém, o avião seria pilotado adivinhe por quem. O próprio: Eduardo Cunha. Cabe ao presidente da Câmara, como terceiro na linha sucessória, zelar por uma transição limpa e pacífica. Para ser o avalista da substituição de Dilma, não poderia ser questionado por ninguém.

Alguém lembrará que Cunha pode ser cassado antes disso, caso a delação contra ele se transforme em denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Mas, se ela acontecer, outros devem cair junto. Mudaria a relação de forças no Congresso e, por tabela, a chance da presidente. Como se vê, política não é matemática. A ordem dos fatores altera o produto. O pós-Cunha condiciona o pós-Dilma.

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