quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Míriam Leitão - Custo coletivo

- O Globo

O Brasil vive um enredo estranho, em que os políticos tentam se alvejar, e os petardos atingem o país como um todo. Para se vingar, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, manobra para aprovar projetos que ampliam gastos públicos. As várias facções da base parlamentar defendem interesses setoriais, a oposição ignora as próprias crenças. O preço está sendo pago por todos nós.

O custo é coletivo, porque os contribuintes é que sustentam o Tesouro, pagando impostos. Mas há também o preço do aprofundamento da crise. Hoje, se o Brasil perder o grau de investimento, todas as empresas grandes que fazem captações no exterior terão suas classificações de risco pioradas e pagarão mais caro em qualquer operação de crédito. Os investidores institucionais, que seguem regras rígidas na alocação de recursos, não poderão vir para o Brasil. O dólar mais caro será um choque de custos nas companhias e nos orçamentos familiares. Quem ganha, se o trem descarrilhar?

Evidentemente, o maior erro é do governo, que perdeu completamente a capacidade de administrar a própria base. Sem um polo de atração, pela inabilidade política da presidente, a base que deveria sustentar o governo é capturada pelos mais variados grupos de interesse. Os governistas têm, sistematicamente, votado pelo aumento de gastos.

O que deveria ter sido um ajuste fiscal no primeiro semestre foi completamente alterado. Em certos projetos, o total a ser economizado foi reduzido. Outros tiveram votação adiada. Alguns foram totalmente adulterados e se transformaram em veículo para aumento das despesas.

Quem achava que isso ficaria restrito ao primeiro semestre está vendo esta semana a continuação do mesmo filme em que eles criam despesas, para atingir o governo, e acertam a sociedade brasileira.

Algumas das medidas têm mérito, mas estão sendo aprovadas sem que se pense na dotação orçamentária para cobrir os novos gastos. O país já está em déficit primário. Mesmo que os aumentos de gastos fiquem apenas para o próximo ano, ou sejam parcelados, o problema é que este não é o momento oportuno para o Congresso criar despesas em bases diárias.

Algumas das ideias, como a de corrigir as aposentadorias pela fórmula do salário mínimo, que foi vetada pela presidente Dilma, criam despesas de forma permanente, exatamente na contramão do que deveria ser feito diante da conjuntura demográfica que o país vive. Os aumentos salariais para várias categorias do setor público têm efeito cascata sobre outros. O Congresso aprova, manda a conta para o Tesouro e não se pergunta de onde sairá o dinheiro para pagar a conta.

A disputa política entre o governo e sua base desagregada está impondo perdas ao país. A oposição se aproveita da briga intestina no governo e aprova medidas que em outros tempos abjurou. Tudo isso bate na economia. Empresários não fazem projetos de investimento porque não sabem qual será o nível do risco do país no momento de execução do projeto. A incerteza é o pior ambiente para elevar o investimento. E sem ele não há crescimento nem emprego.

Algumas das medidas e decisões têm mérito, porém este não é o momento de enfileirar projetos que vão aumentar as despesas públicas. A hora é de diminuir os gastos para o governo reorganizar suas contas e elevar a confiança na economia.

As categorias profissionais do setor público para as quais os parlamentares estão aprovando aumento salarial dizem que merecem, que estão com os ganhos defasados, que profissionais de outras áreas, com funções semelhantes, ganham mais. Há sempre uma série de argumentos. Mesmo que estejam todos corretos, este não é o momento para o governo aumentar custos com seus funcionários.

As surpresas diárias são lesivas ao país. A cada dia aparece um projeto saído de alguma gaveta que altera uma norma, cria um subsídio, transfere um custo, aumenta despesas. O governo a tudo assiste inerte. Quando toma decisões, o faz de forma atrasada e insuficiente. A origem da crise econômica está nas decisões tomadas no mandato passado da presidente Dilma e na farra para reelegê-la. As motivações dos rebelados da sua base são as mais obscuras. Tudo isso junto está criando instabilidade no país.

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