sábado, 15 de agosto de 2015

Míriam Leitão - Não é bomba

- O Globo

No meio da pauta bomba, surge uma ideia que parece explosiva mas não é. Passou da hora de se atualizar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A solução pode não ser a que está sendo proposta na Câmara, ou sugerida como alternativa pelo governo, mas qualquer ideia é melhor do que deixar o patrimônio do trabalhador sendo exaurido aos poucos pela sub-remuneração.

O FGTS foi instituído como poupança forçada pelo governo militar. De lá para cá, não se modernizou nem ficou menos autoritário. O dinheiro é do trabalhador em contas individuais, mas ele não tem acesso aos recursos a menos que seja demitido, morra, compre a casa própria.

Numa entrevista que fiz com o economista Persio Arida, para escrever o livro “História do Futuro”, ele listou o tema da atualização do Fundo de Garantia como uma etapa necessária para a modernização da poupança no Brasil. E fez uma definição forte dos fatos: “O governo pega o seu dinheiro, sub-remunera e só entrega ao dono em alguns casos. Uma poupança forçada e penalizante. O país tira dos trabalhadores e dá para os capitalistas. Simples assim. É a antidistribuição de renda”, disse Persio. Sugeriu que eu comparasse a remuneração do FGTS com outros ativos. A diferença é gritante, e a perda é óbvia.

A Câmara, na esteira dos projetos para espezinhar o governo, apresentou a proposta de remunerar o Fundo pelo mesmo índice da caderneta de poupança, a partir do começo do ano que vem. Sairia, portanto, de TR mais 3% para TR mais 6,17% ao ano. A perda seria menor. A proposta não retroage, ou seja, não incide sobre o estoque do FGTS e, por isso, não ameaça as contas públicas. Há outras propostas tramitando para melhorar a governança do Fundo, como a que prevê a mudança do conselho diretor. Hoje, 12 dos 24 conselheiros são escolhidos pelo governo. A outra metade das cadeiras fica com trabalhadores e empresários. A ideia é fazer um conselho com menos membros, 18, e cada uma das partes teria seis cadeiras. Boa ideia, não há por que o governo ter metade dos membros.

O governo argumenta que esse dinheiro é usado para financiar o mercado imobiliário e, por isso, não pode ser remunerado acima do que é, sob pena de desequilibrar o financiamento habitacional. Se fosse verdade, além dos R$ 8 bilhões que distribui de subsídios, o governo não teria lucro. E tem, em torno de R$ 13 bilhões. A alternativa que o governo defende agora é distribuir meio a meio esse lucro com os cotistas do fundo.

A inclusão do tema na agenda, neste momento, permite que todos discutam como corrigir as distorções de uma forma de poupança constituída em época autoritária e que precisa urgentemente de atualização. O que Persio me explicou é que em outros países da América espanhola existe a modalidade da poupança compulsória mas, em geral, o trabalhador tem possibilidade de escolher o administrador dos recursos. As instituições financeiras competem por esse dinheiro, e o dono tem a possibilidade de escolha a quem lhe ofereça as melhores condições para o objetivo que quer. No Brasil, é poupança forçada, sub-remunerada, e à qual o dono não tem acesso, nem ingerência na escolha de quem administra os recursos. “É uma enorme jabuticaba”, disse Persio. Gravei a entrevista em 2012, no meio da colheita de ideias para o livro, e só agora o tema aparece no debate público. Tudo é muito lento no Brasil, mas antes tarde que nunca.

A Câmara de Eduardo Cunha tem produzido uma série de projetos que miram o governo mas atingem o pagador de impostos. São, em geral, distribuição de benefícios a grupos ou aumentos salariais de categorias do setor público. Esta semana o governo concordou com o reajuste do judiciário, na esteira do jantar de alguns ministros do Supremo com a presidente Dilma. O aumento agora é mais um movimento no sentido contrário ao bom senso. O país está no meio do redemoinho de uma crise fiscal que está ameaçando o grau de investimento e a capacidade de retomar o crescimento do PIB.

A correção mais justa do FGTS é daquelas tarefas que o Brasil precisa enfrentar porque deixar tudo como está cria distorção, distribui lucros para alguns e perdas para a maioria. Não é bomba, portanto, e por mais que seja espinhoso é item necessário à modernidade monetária.

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