quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Míriam Leitão - O ‘senadismo’

- O Globo

As propostas do presidente do Senado, Renan Calheiros, produziram o conforto de se voltar à discussão de questões essenciais para o país, no meio de um estéril tiroteio entre lideranças políticas. Mas há problemas. Algumas das ideias são bem polêmicas, outras, muito vagas. Se forem para valer, o país estaria então vivendo algo que se poderia chamar de “senadismo”, em vez de presidencialismo.

O país anda tão necessitado de rumo que todos elogiaram o senador Renan Calheiros pela iniciativa. Algumas das ideias são embrionárias, outras já tramitam no Congresso, e outras provocarão bastante polêmica. Só de estarem sobre a mesa, aliviam a sensação de desgoverno que tem nos acompanhado neste ano.

A candidata à maior das polêmicas é a cobrança pelo SUS por faixa de renda da pessoa. A primeira objeção a ela será que o contribuinte já paga seus tributos, e o sistema é financiado pelos impostos gerais. Como então pagar novamente? É apenas uma ideia e está registrada na lista como embrionária. Está lá que é “avaliar a possibilidade”. Na execução é que se saberá se é possível remover os obstáculos. O maior deles vem do fato de que a classe média assalariada tem renda certa e declarada. Entre os mais ricos, há muita subdeclaração de renda. Se existe uma coisa difícil no país é definir exatamente quanto a pessoa ganha. Os critérios para essa divisão entre pagantes e não pagantes são bem difíceis de serem estabelecidos.

O ponto interessante que a proposta levanta é que o Brasil precisa discutir de que forma vai financiar a Saúde. A CPMF era destinada em parte a suprir esse custo. Quando foi extinta, outros impostos subiram para compensar. A carga tributária não caiu com o fim do imposto sobre cheques. Contudo, o país ainda sente falta de recursos para financiar esse setor. A tendência futura, com o envelhecimento da população e o custo alto dos novos tratamentos, é que a Saúde precise de mais dinheiro. Esse caminho sugerido pelo senador Renan é controvertido e de difícil execução, mas o financiamento do SUS é um dos pontos sobre os quais o Brasil precisa conversar.

A idade mínima de aposentadoria é outro inevitável ponto de debate. O Brasil recusou a proposta quando ela foi feita no governo Fernando Henrique e daí saiu o fator previdenciário. Agora ele foi derrubado, o governo deveria ter apresentado a proposta novamente e preferiu fazer um arremedo em cima do que foi aprovado no Congresso. O próprio ministro Carlos Gabas me disse que acha a proposta do 85/95 progressivo inviável a médio prazo, mas ele não defende a adoção pura e simples da idade mínima. Sugere que ela seja somada ao tempo de contribuição. Neste caso, fica-se onde está. No mundo inteiro, há uma idade abaixo da qual a pessoa não pode se aposentar. E esse piso tem se movido para cima. Esse é o ônus da boa notícia que é a de que o país está vivendo mais.

Há ideias que estão chegando para se agregar às 27 propostas, como a da senadora Gleisi Hoffmann de aumentar a tributação sobre lucro dos bancos. É sempre tentador pensar em tirar mais um naco do gordo lucro dos bancos. Porém, os bancos sempre repassam qualquer custo para os consumidores de serviços bancários e os tomadores de empréstimos. Engana-se quem pensa que eles tirarão do lucro. Eles jogarão para as taxas de juros.

A proposta de agilizar, flexibilizar, pôr um prazo para o licenciamento ambiental é a falsa solução para um problema real. Não foi a falta de licença que provocou a paralisia de investimentos atuais. Medidas que tornem o setor público menos burocrático são muito bem-vindas, mas avaliar o impacto ambiental de uma obra no meio da Amazônia, por exemplo, não é trivial. E, depois do impacto causado, é difícil reverter. Foi com prazo fatal do Palácio do Planalto e demissões no Ibama que se conseguiu a licença para Belo Monte. A hidrelétrica teve vários problemas causados por itens sobre os quais deveria ter se planejado melhor. A mesma coisa aconteceu com as usinas do Rio Madeira. Um dos itens da agenda Renan é o de “novas regras para atividades produtivas em áreas indígenas”. Isso pode ser um guarda-chuva para todo o tipo de especulação que ameace o meio ambiente e os direitos indígenas.

As propostas de Renan Calheiros trazem de volta questões substantivas, mas algumas delas são tão vagas quanto ameaçadoras.

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